Cá entre nós, tem filmes que a gente sente que vêm por aí. Que a gente escuta o burburinho, vê um frame, lê uma sinopse e pensa: “É desse que eu preciso. É desse que a minha alma cinéfila tá sedenta.” E, ó, Honey, Não! caiu nessa categoria pra mim feito uma luva. Como alguém que cresceu devorando mistérios da Agatha Christie e da Nancy Drew, mas que também sempre buscou algo a mais – um sarcasmo, uma borda afiada, um toque de… realidade crua e engraçada –, a promessa de uma detetive particular lésbica numa cidadezinha, investigando mortes bizarras ligadas a uma igreja misteriosa, dirigida por Ethan Coen e Tricia Cooke? Ah, meu amigo, era como se tivessem feito um filme sob medida para a minha estante de DVDs imaginária.
E te digo: ele entrega. Vi a cabine de imprensa outro dia e saí do cinema com um sorriso meio torto no rosto, ainda digerindo a mistura agridoce que é Honey, Não!. Não é um filme que te abraça com carinho; ele te cutuca, te belisca e depois te dá um tapinha nas costas, como um amigo que adora te zoar.
A gente é imediatamente arremessado para o universo de Honey O’Donahue (Margaret Qualley), uma investigadora particular que, convenhamos, parece mais uma personagem saída de um daqueles romances pulp fiction que a gente encontra em sebos empoeirados. Ela é desgrenhada, inteligente à beça e tem um sarcasmo que, olha, dá gosto de ver. Qualley incorpora Honey com uma naturalidade que é quase assustadora. Ela não está atuando como a investigadora queer de uma pequena cidade; ela é Honey, com todos os seus trejeitos, olhares perspicazes e a maneira como ela segura a xícara de café como se fosse a única coisa que a mantém conectada à realidade. Aquela cena em que ela, com as mãos enterradas nos bolsos de uma jaqueta surrada, observa a fachada da igreja com um misto de ceticismo e uma pitada de fascínio mórbido? Ali, naquele instante, você já sabe que a cidadezinha que parecia tão pacata é um ninho de cobras, e Honey é a única que parece disposta a chutar o vespeiro.
O filme se encaixa perfeitamente nesse subgênero que adoro chamar de “neo-noir de cidade pequena”, onde a luz do sol ilumina crimes sujos e segredos que deveriam estar bem enterrados. E aqui, eles estão enterrados fundo, sob a sombra de uma igreja comandada pelo carismático (e assustadoramente convincente) Reverendo Drew Devlin, interpretado por ninguém menos que Chris Evans. Esqueça o Capitão América; Evans aqui é um poço de ambiguidade. Seu sorriso é acolhedor, mas os olhos… ah, os olhos dele carregam um peso, uma escuridão que te faz duvidar de cada palavra que ele profere do púlpito. É uma atuação que te deixa pensando, “Será que ele é santo ou o próprio demônio disfarçado de cordeiro?” A dualidade dele é o motor de boa parte da tensão.
Atributo | Detalhe |
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Diretores | Ethan Coen, Tricia Cooke |
Roteiristas | Ethan Coen, Tricia Cooke |
Produtores | Ethan Coen, Eric Fellner, Tim Bevan, Robert Graf, Tricia Cooke |
Elenco Principal | Margaret Qualley, Aubrey Plaza, Chris Evans, Lera Abova, Jacnier |
Gênero | Comédia, Crime |
Ano de Lançamento | 2025 |
Produtoras | Focus Features, Working Title Films |
E aí vem Aubrey Plaza como MG Falcone, e o filme ganha outra camada de irreverência. Plaza é mestra em entregar personagens com um humor seco e uma presença magnética, e aqui não é diferente. Ela não apenas complementa Honey; ela incendeia a tela ao lado dela, adicionando uma química que é palpável e cheia de faíscas. A interação entre as duas é um dos grandes prazeres do filme, e é onde o aspecto LGBTQ+ da narrativa floresce de forma orgânica e real, longe de clichês ou estereótipos forçados. É sobre amor, desejo e, claro, sobre resolver um mistério enquanto tentam não serem mortas.
A direção de Ethan Coen e Tricia Cooke é exatamente o que se esperava: afiada, inteligente e sem medo de mergulhar no humor ácido. Eles têm um jeito particular de fazer você rir das situações mais sombrias, de encontrar o absurdo no horror, e isso é um traço distintivo de Honey, Não!. Os diálogos são rápidos, cheios de réplicas que você quer anotar, e a câmera tem um olhar curioso para os detalhes, para as pequenas esquisitices que dão vida a esse universo peculiar. Não é um ritmo frenético, mas sim uma cadência que te puxa para dentro, como uma maré lenta, mas irresistível.
O roteiro, também assinado pela dupla, é uma teia intrincada que mistura tráfico de drogas, mortes misteriosas e, claro, a complexa dinâmica de uma comunidade onde todo mundo tem algo a esconder. Você começa a suspeitar de todo mundo, desde o padeiro até o gato de rua. É uma comédia de crime que te mantém na ponta da cadeira, rindo e roendo as unhas ao mesmo tempo. É como um prato agridoce: você sabe que tem algo estranho ali, mas é tão delicioso que você não consegue parar de comer.
Honey, Não! não é para todo mundo. Se você espera uma comédia de risadas fáceis ou um thriller policial direto, talvez se surpreenda. Mas se você está procurando uma jornada pelo lado mais sombrio e engraçado da vida, com personagens que você vai querer levar para casa e uma narrativa que te desafia a montar as peças do quebra-cabeça, então, meu amigo, este é o seu filme. Ele me deixou pensando nos cantos esquecidos de nossas próprias cidades, nos segredos que se escondem por trás das portas fechadas, e na capacidade humana de encontrar humor mesmo na tragédia. E, claro, na genialidade de uma detetive que, com seu jeito desajeitado e olhar afiado, prova que o heroísmo vem em todas as formas e orientações. Ele chega nos cinemas brasileiros em 06/11/2025. Não perde, tá? De verdade.