O Senhor dos Mortos: Cronenberg em Terreno Familiar, Mas com Passos Incertos
David Cronenberg. O nome por si só evoca imagens de corpos mutantes, tecnologia invasiva e um mergulho profundo na psique humana, frequentemente perturbador. Seu novo longa-metragem, O Senhor dos Mortos, que estreou no Brasil em 17 de outubro de 2024, prometia mais do mesmo, uma exploração do lado sombrio da inovação e do luto. E, até certo ponto, cumpre. A sinopse apresenta Karsh, um empreendedor enlutado pela perda da esposa, que desenvolve um dispositivo para se comunicar com os mortos a partir de um caixão tecnológico. Mas, como descobri em uma experiência cinematográfica paradoxal, a promessa de uma nova obra-prima de Cronenberg se esvai em meio a um roteiro que, apesar de seus momentos brilhantes, falha em alcançar a profundidade esperada.
Uma Tecnologia Assombrosa, Uma História Incompleta
A direção de Cronenberg, como sempre, é impecável. A atmosfera opressiva, construída com maestria através de planos meticulosamente compostos e uma paleta de cores fria e melancólica, permeia todo o filme. A Toronto retratada aqui é gélida, quase um personagem à parte, refletindo o estado emocional de Karsh. A escolha dos cenários, especialmente o cemitério onde o dispositivo é testado, contribui para a atmosfera de suspense e paranoia que envolve o protagonista. Vincent Cassel entrega uma atuação potente, transmitindo a fragilidade e a crescente instabilidade mental de Karsh com uma precisão impressionante. Diane Kruger, com suas múltiplas personagens, também se destaca, alternando com desenvoltura entre a ternura e a ameaça.
No entanto, o roteiro, também escrito por Cronenberg, é onde o filme tropeça. A premissa, intrigante por si só, é explorada de forma superficial em certos aspectos. A relação de Karsh com a sua dor, a tecnologia em si e as implicações éticas de sua criação são temas que poderiam ter sido explorados com maior profundidade. A trama, apesar dos sustos bem-calculados e das reviravoltas, se torna previsível em determinados momentos, comprometendo o impacto geral. Há um certo distanciamento emocional que me incomodou, um roteiro frio que contrasta com a intensa carga dramática presente nas atuações.
Atributo | Detalhe |
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Diretor | David Cronenberg |
Roteirista | David Cronenberg |
Produtores | Michel Merkt, Martin Katz, Saïd Ben Saïd, Anthony Vaccarello |
Elenco Principal | Vincent Cassel, Diane Kruger, Guy Pearce, Sandrine Holt, Elizabeth Saunders |
Gênero | Ficção científica, Drama, Terror, Thriller |
Ano de Lançamento | 2025 |
Produtoras | SBS Productions, Prospero Pictures, Saint Laurent Productions, Gravetech Productions |
O Peso da Dor e a Busca por Respostas
O Senhor dos Mortos é um estudo sobre o luto, a perda e a busca por conexão, mesmo além da morte. A trama tece uma teia de conspirações, paranoia e segredos familiares, utilizando elementos de horror corporal característicos do diretor, embora de forma mais contida do que em suas obras mais conhecidas. Os temas de inteligência artificial, a manipulação da memória e a fragilidade da sanidade mental são explorados com certo talento, mas sem a força contundente que outros filmes de Cronenberg conseguiram alcançar.
Pontos Fortes e Fracos em Equilíbrio Precário
O filme brilha em sua atmosfera tensa e nas atuações sólidas do elenco principal. A direção de arte é soberba, e a fotografia contribui para criar uma experiência visual memorável. Porém, o roteiro sofre com alguns buracos na narrativa e a falta de aprofundamento em temas cruciais. A sensação final é a de um filme que prometeu mais do que entregou, um trabalho que, apesar de seu talento técnico, não consegue transcender a condição de um bom filme para se tornar algo excepcional. O resultado é uma experiência ambivalente, deixando um gosto de “quase lá”.
Uma Recomendação Cautelosa
Após sua estreia em 19/09/2025, O Senhor dos Mortos certamente dividirá opiniões. A recepção crítica, que já vinha sendo marcada por análises contraditórias, confirma essa impressão. A obra certamente agradará aos fãs de Cronenberg que apreciam seus trabalhos mais contidos e focados na atmosfera e no drama. No entanto, aqueles que esperam uma obra-prima à altura de seus maiores sucessos podem se decepcionar. A recomendação é cautelosa: assista se você é um entusiasta do cinema de Cronenberg e aprecia seu estilo peculiar. Se você busca um filme de terror ou suspense com reviravoltas impactantes, talvez seja melhor buscar outras opções. Apesar de suas falhas, a obra mantém algo do gênio de Cronenberg, um lampejo que garante um lugar em seu extenso catálogo, embora não seja um dos mais brilhantes.