Há certas obras que, mesmo que não se tornem o nosso porto seguro cinematográfico, fincam raízes em algum canto da memória afetiva. Para mim, quase uma década após sua estreia original, La La Land: Cantando Estações habita esse espaço. É como se a cada vez que o Los Angeles engarrafado na hora do rush me encontra, ou quando uma melodia de jazz esquecida ressurge, meus pensamentos escorregassem de volta para Mia e Sebastian. E não é só por ser um musical — um gênero que, admito, tenho um carinho especial —, mas pela forma quase sinfônica como ele orquestra a dança entre o sonho e a realidade, entre o amor e a ambição.
Pense bem, você já se pegou em um daqueles momentos em que o mundo parece se colorir com os tons do pôr do sol californiano, e a vida toda se torna um grande palco para seus maiores anseios? “La La Land”, sob a batuta de Damien Chazelle, nos joga nesse espetáculo de cara, com uma coreografia que desafia a gravidade e o bom senso no meio de um congestionamento. Ali, somos apresentados a Sebastian (Ryan Gosling), um pianista apaixonado por jazz, um purista quase antiquado que sonha em reviver os tempos áureos dos clubes de jazz, e Mia (Emma Stone), uma aspirante a atriz que trabalha numa cafeteria de um estúdio de cinema, dividindo seu tempo entre servir café e ir a audições que raramente dão em algo. O encontro dos dois é, claro, um esbarrão, um desencontro inicial que logo se transforma em uma faísca.
O que me encanta, e talvez seja a razão de tantos se apegarem a este filme, é a crueza bonita com que Chazelle roteiriza e dirige essa história. Ele não nos vende um conto de fadas onde tudo dá certo e os créditos sobem com os pombinhos beijando-se no horizonte. Pelo contrário. Ele nos joga nas entranhas de Los Angeles, uma cidade que promete tudo e entrega pouquíssimo para a maioria. Vemos a exaustão de Mia em cada “não” nas audições, a forma como ela repassa falas em seu pequeno apartamento, o sorriso que se esforça para manter. E em Sebastian, vemos a teimosia apaixonada, a recusa em comprometer sua arte, a luta para encontrar seu lugar em um mundo que parece ter esquecido o que é bom jazz. Ryan Gosling, com seu ar melancólico e dedicação visível ao piano, e Emma Stone, cuja expressividade e vulnerabilidade nos fazem torcer por Mia a cada prova de fogo, entregam performances que são a alma do filme. A química entre eles? Ah, essa é palpável, daquelas que a gente compra sem pestanejar.
A música, claro, é mais do que um pano de fundo; é a própria narrativa. As composições de Justin Hurwitz são uma extensão dos sentimentos dos personagens, desde os números exuberantes de dança que evocam os clássicos de Hollywood até as baladas que partem o coração, como “City of Stars”. Você sente a melancolia do jazz nos acordes de Sebastian, a esperança nas canções que Mia canta para si mesma. John Legend, interpretando Keith, um músico que oferece a Sebastian uma oportunidade mais comercial, serve como um espelho para a eterna discussão entre arte e comércio, uma encruzilhada que muitos artistas, talvez nós mesmos em outras profissões, enfrentamos. É um dilema que se desenrola sem vilões óbvios, apenas escolhas.
Atributo | Detalhe |
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Diretor | Damien Chazelle |
Roteirista | Damien Chazelle |
Produtores | Jordan Horowitz, Marc Platt, Fred Berger, Gary Gilbert |
Elenco Principal | Ryan Gosling, Emma Stone, John Legend, Rosemarie DeWitt, J.K. Simmons |
Gênero | Comédia, Drama, Romance, Música |
Ano de Lançamento | 2016 |
Produtoras | Summit Entertainment, Gilbert Films, Impostor Pictures, Marc Platt Productions |
E aqui entra a sutileza, a nuance que diferencia “La La Land” de um mero romance musical. O filme explora a dualidade da ambição: o quanto estamos dispostos a sacrificar por nossos sonhos? E o que acontece quando esses sacrifícios incluem o amor? A história não foge da dor, da realidade agridoce de que nem todos os contos de fadas terminam com um “felizes para sempre” no sentido mais tradicional. O final, para muitos, é um soco no estômago, mas para mim, é a beleza da honestidade. É um reconhecimento de que a vida é feita de desvios, de estradas não tomadas, e de futuros imaginados que nunca se materializam. Ele nos faz questionar: eles fizeram as escolhas certas? O que teríamos feito em seus lugares?
Talvez seja por isso que, como o “provável” Jeff Winger disse numa crítica que ressoa com muitos, o filme não seja para todo mundo, mas o apelo é inegável. Não é um filme para assistir com a mente fechada, esperando uma fórmula. Ele exige que você se entregue aos seus ritmos, às suas cores, e à sua melancolia dançante. É um convite para refletir sobre as encruzilhadas da vida, os sacrifícios que fazemos e os amores que marcamos, tudo embalado na atmosfera onírica de uma Los Angeles que é, ao mesmo tempo, um sonho e um cemitério de aspirações.
Nove anos se passaram, e o filme continua a vibrar com a mesma energia, as mesmas cores vívidas, as mesmas emoções complexas. De uma cena de dança em um píer ao observar as estrelas no Griffith Observatory, “La La Land” permanece um lembrete vívido de que a vida é um musical, muitas vezes sem ensaio, e que o show, com todas as suas alegrias e tristezas, deve continuar. E quem sabe, talvez essa seja a sua maior lição: a beleza está justamente na imperfeição e na coragem de sonhar, mesmo sabendo que nem sempre a melodia final será exatamente como imaginamos.