Existe algo no gênero true crime que me puxa, sabe? Não é morbidez, eu acho. É a busca por entender a complexidade da mente humana, a fina linha que separa o ordinário do abismal. Mas, por vezes, esquecemos que por trás dos nomes e dos casos famosos, existem pessoas, vidas dilaceradas por eventos inimagináveis. E foi exatamente essa a sensação que me dominou ao sair da sessão de Meu Pai, o Assassino BTK, que estreou aqui no Brasil há pouquíssimos dias, no dia 10 de outubro. Ainda estou digerindo tudo.
Não vou negar, o título já é um soco no estômago. Meu Pai, o Assassino BTK. Sabe, a palavra “pai” carrega um peso de proteção, de lar, de amor incondicional. Colocá-la ao lado de “assassino” e do infame apelido BTK – Bind, Torture, Kill – é um exercício de dissonância cognitiva que poucas narrativas conseguem sustentar. E é justamente nesse abismo, nesse paradoxo gelado, que a diretora Skye Borgman nos convida a mergulhar através dos olhos de Kerri Rawson.
A Voz que Quebra o Silêncio (e o Coração)
Kerri Rawson não é apenas uma sobrevivente; ela é a filha de Dennis Rader, o homem que assombrou Wichita, Kansas, por décadas. E, meu caro leitor, é a performance dela, a forma como Kerri se expõe, que se torna o verdadeiro coração pulsante deste documentário. Não é uma atuação, é uma entrega visceral de si mesma. Eu vi a maneira como ela segura as mãos, quase como se estivesse tentando se manter unida, enquanto reconta memórias de um pai que, para ela, era “normal”. Normal? A palavra ecoa e se estilhaça no ar, carregada de uma ironia cruel. Como é possível crescer sob o teto de um monstro e não saber? Como o sorriso que ele te dava à mesa de jantar podia ser o mesmo que se espreitava nas sombras, planejando horrores?
O filme não te diz que a vida de Kerri foi destruída. Ele mostra. Ele te leva para dentro da casa da família, para os álbuns de fotos que antes representavam uma infância inocente e agora são como artefatos de um crime, contaminados pela verdade brutal. As imagens de arquivo de Dennis Rader, aquele homem de óculos e sorriso discreto, alternam com os depoimentos de Kerri, e a justaposição é devastadora. Você vê o homem público, o pai de família, o líder de escoteiros, e então a confissão fria e calculista do serial killer. É como se a tela rasgasse e nos mostrasse duas realidades paralelas que, de repente, colidem em uma explosão de dor e desilusão.
Atributo | Detalhe |
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Diretora | Skye Borgman |
Produtores | Rebecca Evans, Ross M. Dinerstein |
Elenco Principal | Kerri Rawson, Dennis Rader, Richard LaMunyon, Larry Hatteberg, Andrea Rogers |
Gênero | Documentário, Crime |
Ano de Lançamento | 2025 |
Produtora | Campfire Studios |
As Múltiplas Camadas da Verdade
Skye Borgman, que já nos presenteou com outros documentários instigantes, escolhe aqui uma abordagem que me pareceu cirúrgica em sua sensibilidade. Ela não explora a curiosidade mórbida, mas sim a dimensão humana da tragédia. Sim, temos o ex-chefe de polícia de Wichita, Richard LaMunyon, e o ex-jornalista Larry Hatteberg, que nos dão o contexto factual do caso. Eles são as vozes que ancoram a narrativa na realidade do crime que chocou uma nação. Mas são as palavras de Andrea Rogers, a amiga de infância de Kerri, que adicionam outra camada de empatia. Ela fala de uma amizade, de uma infância compartilhada, e da subsequente incompreensão de como tudo isso podia ter acontecido. É um lembrete sutil de que o impacto de um serial killer se ramifica para muito além de suas vítimas diretas.
O ritmo do filme é deliberado, quase respirando no compasso da própria Kerri. Há momentos de silêncio pesado, pausas que permitem que a dor assente, que você sinta o nó na garganta que ela deve sentir todos os dias. A produção da Campfire Studios, com Rebecca Evans e Ross M. Dinerstein à frente, parece ter compreendido a delicadeza de contar uma história tão pessoal. Não há floreios desnecessários, apenas a verdade nua e crua, entregue com um respeito palpável pela protagonista.
Meu Pai, o Assassino BTK não é um documentário sobre o BTK. É um documentário sobre Kerri Rawson. É sobre o fardo de carregar um sobrenome que evoca terror, sobre a luta para reconciliar a imagem de um pai amado com a de um predador implacável. É sobre a busca por uma identidade própria quando a sua foi manchada por um legado que você não escolheu. E, para mim, é um lembrete poderoso de que o true crime, em sua melhor forma, não deve apenas nos informar sobre os atos horríveis, mas, acima de tudo, nos fazer refletir sobre a resiliência do espírito humano e a profunda capacidade de cura, mesmo diante das cicatrizes mais profundas e incompreensíveis.
Saí do cinema com a cabeça cheia de perguntas, e o coração um pouco mais pesado, mas também com a certeza de ter testemunhado algo verdadeiramente humano e corajoso. Você, que como eu, busca mais do que apenas fatos em uma história de crime real, encontrará neste filme uma experiência que vai muito além das manchetes. É um convite para sentir.