A Morte de um Unicórnio

Para mim, escrever sobre cinema é, antes de tudo, uma jornada pessoal. É sentar na poltrona escura, deixar a tela te engolir, e depois tentar destrinchar o que aquela experiência fez no seu peito, na sua cabeça. E, olha, quando ouvi falar de A Morte de um Unicórnio, da A24, com Paul Rudd e Jenna Ortega batendo num bicho mítico pra depois explorar suas propriedades restaurativas, eu não pude evitar um sorriso torto. “Tá aí”, pensei, “um prato cheio para a mente, para o riso nervoso e, talvez, para a reflexão mais sombria”. O filme estreou em julho, e cá estamos, em outubro de 2025, com a poeira um pouco mais baixa, mas as perguntas ainda reverberando.

Alex Scharfman, que dirigiu e escreveu, nos joga num road trip que desanda de forma espetacular. Elliot (um Paul Rudd que consegue ser adorável e patético na mesma medida) está levando sua filha, Ridley (Jenna Ortega, com aquela aura de ironia e cansaço adolescente que só ela tem), para uma reunião emergencial com seu chefe bilionário. A relação entre pai e filha já é um campo minado de silêncios e farpas, e você sente o peso dessa distância em cada olhar desviado, em cada resposta monossilábica de Ridley. É o tipo de desconexão familiar que muitos de nós conhecemos bem, a tensão palpável antes mesmo que qualquer criatura mágica entre em cena.

E aí, bum. Um solavanco na estrada, um guincho, e o impossível se materializa: um unicórnio. Não um unicórnio brilhante de contos de fadas, mas um bicho real, ferido, com o sangue manchando o asfalto. É nesse momento que o filme vira a chave e mergulha de cabeça em sua proposta macabra. A descoberta de que o sangue, o corpo e, principalmente, o chifre do animal possuem propriedades milagrosamente restaurativas não é um momento de pura maravilha, mas de uma ganância quase primal. É como se a própria pureza do unicórnio fosse um espelho para a feiura da natureza humana.

A partir daí, A Morte de um Unicórnio se desdobra em uma espécie de fábula distorcida, um conto de fadas às avessas. Os gêneros Terror, Fantasia e Comédia se misturam de um jeito que nem sempre é suave, eu diria. A comédia, muitas vezes, é escuríssima, nascida do absurdo da situação e das reações patéticas dos personagens. O terror não vem de sustos, mas da iminência da depravação, da forma como a busca pela vida eterna ou pela juventude a qualquer custo pode desfigurar a alma.

AtributoDetalhe
DiretorAlex Scharfman
RoteiristaAlex Scharfman
ProdutoresTyler Campellone, Drew P. Houpt, Lars Knudsen, Alex Scharfman, Tim Headington, Theresa Steele Page, Lucas Joaquin
Elenco PrincipalPaul Rudd, Jenna Ortega, Will Poulter, Richard E. Grant, Téa Leoni
GêneroTerror, Fantasia, Comédia
Ano de Lançamento2025
ProdutorasA24, Square Peg, Secret Engine, Ley Line Entertainment, Monoceros Media

Quando Elliot e Ridley chegam à mansão de Odell (um Richard E. Grant deliciosamente excêntrico e repulsivo) e Belinda (Téa Leoni, que traz uma frieza calculista que gela a espinha), o filme realmente mostra suas garras críticas. A trama da família rica que quer explorar o unicórnio é, para alguns, talvez o ponto mais previsível, e até um pouco “chato” no início, como algumas críticas apontaram. E sim, existe um quê de formulaico em como a riqueza e o poder corrompem. Mas, para mim, o filme transcende essa previsibilidade pela forma blunt, quase brutal, com que expõe a sede insaciável dos privilegiados. Eles não estão apenas buscando a cura; estão buscando a imortalidade como um direito adquirido, pisoteando o que for preciso. Ver a pele de Paul Rudd tremer levemente, o suor na testa, enquanto ele tenta negociar a integridade de um unicórnio, e a si mesmo, em meio a essa gente, é de uma beleza tragicômica.

Jenna Ortega, como Ridley, é a bússola moral que se perde e se reencontra no caos. Sua performance é o fio condutor que nos permite sentir a repulsa e a confusão diante da barbárie que se desenrola. Ela é a única que parece ainda se lembrar da magia original, da inocência, antes que a ganância a maculasse. Sua jornada é uma tentativa desesperada de resgatar algo puro, não apenas do unicórnio, mas de seu próprio pai e, talvez, da humanidade.

A direção de Scharfman consegue criar uma atmosfera que, mesmo com os elementos de comédia, nunca deixa de ser inquietante. Há um senso de destino sombrio que paira sobre a narrativa, uma sensação de que cada passo em direção à exploração do unicórnio é um passo para uma moralidade mais turva. Sim, a construção inicial pode parecer um pouco morna, como um banho que você hesita em entrar. Mas quando a temperatura sobe, quando a trama dos bilionários se intensifica, o filme se torna um mergulho gelado, com a água chicoteando o rosto. A cena final, em particular, é um soco no estômago, um desfecho que faz valer a pena a jornada, por mais que ela tenha se arrastado em certos momentos.

No fim das contas, A Morte de um Unicórnio pode não ser o filme mais fácil de amar, nem o mais polido. Não é uma joia lapidada em todas as suas facetas. Mas é um filme que me fez pensar, que me provocou risadas nervosas e que me deixou com um gosto amargo e instrutivo na boca. É uma fábula moderna, uma comédia de humor negro que nos lembra que a verdadeira monstruosidade raramente está no animal fantástico, mas sim na forma como a nossa própria humanidade, quando confrontada com o poder e a promessa da vida eterna, pode se transformar em algo verdadeiramente macabro. E, para mim, isso já é motivo suficiente para vê-lo. Talvez não seja um unicórnio perfeito, mas sua morte é, sem dúvida, digna de ser testemunhada.

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