O que é, afinal, uma família? É uma pergunta que me assombra, confesso, cada vez que a tela grande se ilumina para nos apresentar mais uma dessas constelações tão caóticas quanto reconfortantes. E foi com essa indagação reverberando que me sentei para Meet the Leroys, o filme de Florent Bernard que estreou no ano passado e, um ano depois, ainda ecoa na minha mente como um coro desafinado, mas cheio de alma. Não é todo dia que um filme sobre uma família comum consegue te pegar de surpresa, sabe? Geralmente, a gente já espera os clichês, as brigas previsíveis, as reconciliações açucaradas. Mas os Leroys… ah, os Leroys são outra história.
Sabe aquele tipo de filme que te faz rir um minuto e engolir em seco no outro? Florent Bernard, que assina tanto a direção quanto o roteiro, tem uma mão cirúrgica para costurar comédia e drama de uma forma tão orgânica que a gente quase não percebe a transição. É como estar numa montanha-russa emocional que, em vez de te jogar para baixo em quedas bruscas, te leva em curvas suaves e inesperadas, revelando paisagens que são ora hilárias, ora dolorosamente familiares. Meet the Leroys não tenta te convencer de que a vida em família é fácil ou glamorosa; pelo contrário, ele escancara as rachaduras, as pequenas mentiras, os sacrifícios silenciosos e o amor imperfeito que, no fim das contas, é o que realmente nos sustenta.
O coração desse universo, claro, é a família Leroy. E aqui, a escolha do elenco é simplesmente genial. Charlotte Gainsbourg, como Sandrine Leroy, é um espetáculo à parte. Ela consegue ser ao mesmo tempo a âncora e a tempestade em um copo d”água da família. Há uma cena em particular, durante um jantar, em que Sandrine está tentando manter a calma enquanto o caos explode ao redor dela. Seus olhos, mesmo com um leve sorriso forçado nos lábios, gritam um cansaço existencial que qualquer um que já tentou organizar uma festa infantil ou uma ceia de Natal com tios inconvenientes vai reconhecer. Não é uma performance estridente, mas sim uma de camadas sutis, onde a exaustão se mistura com uma resiliência quase heroica. José Garcia, por outro lado, interpreta Christophe Leroy com aquela energia meio desastrada, meio encantadora, que o torna impossivelmente humano. Ele é o tipo de pai que tenta desesperadamente ser legal, que comete gafes memoráveis e que, no fundo, só quer que a família funcione, mesmo que ele não saiba muito bem como. A dinâmica entre Gainsbourg e Garcia é um eslider de sinuca bem jogado; eles colidem, ricocheteiam e se impulsionam, revelando a complexidade de um casamento duradouro.
E os filhos, Loreleï (Lili Aubry) e Bastien (Hadrien Heaulmé)? Eles são o espelho, o motor e o catalisador de boa parte do enredo. Lili Aubry traz uma autenticidade à Loreleï que desarma, capturando a angústia adolescente com uma precisão quase dolorosa. Bastien, interpretado por Hadrien Heaulmé, é a bússola moral ocasional, o observador astuto que, com poucas palavras, revela verdades inconvenientes. E para completar o quadro, Lyes Salem como Claude adiciona uma camada extra de humor e, por vezes, um contraponto necessário ao drama familiar. Ele é aquele amigo ou parente que surge para bagunçar ainda mais as coisas, ou para trazer uma perspectiva externa que os Leroys, imersos em seu próprio turbilhão, não conseguem enxergar.
Atributo | Detalhe |
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Diretor | Florent Bernard |
Roteirista | Florent Bernard |
Produtores | Romain Rousseau, Maxime Delauney, Mathieu Ageron |
Elenco Principal | Charlotte Gainsbourg, José Garcia, Lili Aubry, Hadrien Heaulmé, Lyes Salem |
Gênero | Comédia, Drama |
Ano de Lançamento | 2024 |
Produtoras | Nolita, TF1 Studio, Apollo Films, TF1 Films Production |
O que me prendeu em Meet the Leroys não foi uma grande reviravolta ou um enredo complexo. Foi a forma como ele te convida a sentar à mesa com essa família, a ouvir suas conversas sobrepostas, a sentir o cheiro do café da manhã queimando e a vivenciar a intimidade desajeitada que só a convivência diária pode gerar. É um filme que respira vida, que te faz sentir o calor da pele dos personagens, o atrito de suas personalidades. A gente não está apenas vendo uma história; a gente está vivenciando os Leroys. E isso é mérito de Bernard, que não tem medo de deixar os momentos desconfortáveis durarem um pouco mais, de permitir que o silêncio preencha o espaço onde um diálogo fácil não caberia. Ele confia na inteligência do espectador para ler as entrelinhas, para entender que um olhar pode dizer mais que mil palavras, que um suspiro carrega o peso de anos de convivência.
É engraçado como, um ano após o lançamento, ainda penso nos Leroys. Eles não são perfeitos, estão longe disso. Mas talvez seja justamente essa imperfeição que os torna tão memoráveis. Eles são um retrato sincero do que significa ser parte de algo maior que você mesmo, de como a família pode ser tanto sua maior fonte de frustração quanto o seu porto seguro mais inabalável. Meet the Leroys não é um filme que grita por atenção com artifícios dramáticos; ele sussurra verdades universais com uma honestidade que te toca fundo. E isso, para mim, é o verdadeiro cinema.