O burburinho já pairava no ar há meses, sabe? Desde que Se Não Fosse Você começou a circular nos festivais e nas rodas de conversa sobre os filmes mais aguardados, uma certa expectativa se aninhou aqui, na minha pele. Não é todo dia que a gente se depara com uma história que promete desentranhar o nó de sentimentos mais complexo que existe: a dinâmica familiar em crise, esgarçada por uma tragédia e, pior, por segredos que explodem em mil pedaços. E, poxa, eu preciso confessar, como alguém que já navegou por águas turbulentas de perdas e revelações, essa premissa me fisgou de um jeito particular. Eu vi uma sessão exclusiva, quase como um privilégio antecipado, e agora, com a estreia geral batendo à porta (23 de outubro, anotem!), sinto um peso e uma urgência em compartilhar o que essa obra me provocou.
Desde os primeiros minutos, Josh Boone, com sua sensibilidade já conhecida em dramas como ‘A Culpa é das Estrelas’, nos mergulha no universo frágil e, de repente, destroçado de Morgan (Allison Williams) e Clara Grant (Mckenna Grace). A vida delas, aparentemente perfeita, desmorona com a violência de um acidente de carro que leva embora o pilar central da família: o pai, o marido. A cena do acidente em si não é um espetáculo grandioso, mas o que não é mostrado, o silêncio que se segue e a forma como o trauma se instala nos olhos de Morgan e Clara, é o que realmente aperta o estômago. É um tipo de vazio que se espalha, lento e inexorável, preenchendo cada canto da tela e, mais importante, da alma das personagens.
Mas o luto, ah, o luto, raramente vem sozinho. Como uma maré baixa revelando rochas pontiagudas, a perda do patriarca traz à tona uma traição chocante. E aqui, o roteiro de Susan McMartin, que presumo ter se aprofundado nas camadas de alguma obra literária que inspirou o filme (as palavras-chave indicam isso, e a profundidade dos arcos reforça essa ideia), não se contenta em apenas entregar um choque fácil. A traição não é um raio que cai do céu; é uma rachadura antiga na fundação, que agora, sob o peso da dor, se escancara. E a beleza, ou seria a ferida, desse filme é como ele nos força a encarar essa ambiguidade. Não há vilões e mocinhos em sentido estrito; há pessoas complicadas, com escolhas complicadas, e as consequências delas são sentidas em ondas sísmicas pelas gerações.
A complexa relação entre mãe e filha, Morgan e Clara, é o epicentro dessa explosão emocional. Allison Williams entrega uma Morgan que, a princípio, se mostra forte e resiliente, tentando manter os cacos de sua vida juntos. Mas a traição a destrói de dentro para fora, e Williams nos permite ver cada tremor, cada hesitação, cada fragmento de fé que se esvai de seu olhar. É uma performance que fala mais com os silêncios e as microexpressões do que com os diálogos explícitos. E Mckenna Grace… poxa, Mckenna Grace é um fenômeno. Ela não interpreta Clara; ela é Clara. Uma adolescente que perde o pai e, em seguida, descobre que a imagem que tinha de sua família era uma ilusão, uma fachada cuidadosamente construída. A raiva, a dor, a confusão, a busca desesperada por verdade em meio ao caos – tudo isso Mckenna nos entrega com uma autenticidade que é quase dolorosa de assistir. A maneira como ela confronta Morgan, não com gritos histéricos, mas com uma quietude carregada de acusação, é de partir o coração. É um diálogo, mas é também um duelo de olhares que nos dizem tudo o que precisamos saber sobre a distância que se estabeleceu entre elas.
Atributo | Detalhe |
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Diretor | Josh Boone |
Roteirista | Susan McMartin |
Produtores | Robert Kulzer, Anna Todd, Brunson Green, Flavia Viotti |
Elenco Principal | Allison Williams, Mckenna Grace, Dave Franco, Mason Thames, Sam Morelos |
Gênero | Drama, Romance |
Ano de Lançamento | 2025 |
Produtoras | Constantin Film, Harbinger Pictures, Frayed Pages Entertainment, WME Independent, north.five.six, Domain Entertainment, FVR Entertainment, Paramount Pictures, Robert Kulzer Productions |
E não posso deixar de mencionar a inserção de Dave Franco como Jonah Sullivan, e de Mason Thames (Miller) e Sam Morelos (Lexie). Seus personagens não são apenas coadjuvantes; eles representam os espelhos e os amortecedores externos para a dor interna de Morgan e Clara. Jonah, em particular, desvela novas camadas à medida que a trama avança, e Franco navega por essa ambiguidade com uma sutileza que evita o clichê.
O que Se Não Fosse Você faz com maestria é nos convidar a redefinir o que entendemos por amor. Quando as bases da confiança são abaladas, quando a verdade é uma faca de dois gumes, como amar de novo? Como se amar de novo? O filme não oferece respostas fáceis. Ele nos convida a observar Morgan e Clara em suas jornadas de redescoberta, de luto não apenas pelo pai/marido, mas pela versão de família que elas acreditavam ter. É como assistir a um rio mudar seu curso depois de uma inundação; a paisagem nunca mais será a mesma, mas a água ainda flui.
A direção de Josh Boone mantém um ritmo que, apesar de lidar com um material pesado, nunca se torna arrastado. Ele sabe quando deixar a câmera repousar sobre um rosto, permitindo que as emoções se manifestem, e quando acelerar para pontuar um momento de virada. A produção, envolvendo nomes como Robert Kulzer e Anna Todd, parece ter investido numa autenticidade visual que complementa a profundidade emocional do roteiro, evitando floreios desnecessários e focando no drama humano.
Quando saí da sala de exibição, a sensação não era de leveza, mas de uma profunda reverberação. Não era um filme para “sentir-se bem”, mas um filme para sentir. E isso, para mim, é o maior elogio que se pode dar a um drama. Ele me fez pensar na fragilidade dos laços que nos unem, na complexidade das vidas que compartilhamos e na coragem que é preciso para enfrentar verdades desconfortáveis. Se Não Fosse Você é um filme que não tem medo de mergulhar nas sombras da alma humana, mas que, ao fazer isso, nos lembra da nossa incrível capacidade de, mesmo após a mais devastadora das tempestades, buscar uma nova forma de amar e, quem sabe, de florescer. É um lembrete pungente de que, às vezes, é preciso desconstruir tudo para, finalmente, se redescobrir. E, para mim, é exatamente isso que o torna tão essencial.