27 Noites

Ah, 27 Noites… Confesso que, quando soube da premissa – uma mulher idosa internada pelas filhas, a linha tênue entre sanidade e a pura vontade de viver –, já senti aquele nó na garganta, misturado com uma curiosidade quase palpável. Não é todo dia que um filme te convida para uma dança tão delicada e, ao mesmo tempo, tão irreverente sobre o que significa estar ‘bem’ em um mundo que, muitas vezes, nos quer encaixotados. E olha, o que Daniel Hendler nos entregou, que chegou aos cinemas brasileiros ontem, no dia 17 de outubro, é muito mais do que eu esperava. É um soco no estômago, um carinho na alma e, sim, uma gargalhada no meio da crise existencial.

De cara, somos jogados no universo de Martha Hoffman, a personagem que Marilú Marini veste com uma maestria que, convenhamos, só uma atriz do calibre dela conseguiria. Martha não é uma figura fácil de rotular. As filhas, na sua suposta boa intenção, veem um comportamento errático, talvez até perigoso, e a solução é a clínica psiquiátrica. Mas Marini… ah, Marini! Ela não interpreta uma mulher em crise; ela encarna a própria rebeldia da vida. Seus olhos, ora faiscando com uma energia juvenil, ora marejados por uma melancolia que só a experiência traz, nos fazem questionar: será que ela está realmente doente, ou será que ela é a pessoa mais sã de todas, simplesmente porque se recusou a murchar? A cada cena, você sente Martha respirar, cada gesto dela parece gritar “eu existo!”, desafiando as paredes do confinamento e as expectativas de todos à sua volta. Não é uma atuação, é um portal para a alma de uma mulher que se nega a ser esquecida pela vida.

E aí entra Casares, interpretado pelo próprio Daniel Hendler. Ele é o especialista, o juiz, aquele que tem o poder de decidir o destino de Martha. Hendler, tanto na frente quanto atrás das câmeras, constrói Casares com uma complexidade fascinante. Não é um vilão, não é um herói unidimensional. Ele é o nosso espelho, o cético, o que tenta aplicar a lógica e o manual em uma situação que desafia qualquer protocolo. A interação entre Martha e Casares é o coração pulsante de 27 Noites. É um embate de filosofias de vida, um jogo de xadrez onde as peças são a sanidade e a liberdade. Lembro-me de uma cena específica, onde Martha, com um sorriso enigmático, descreve um desejo simples que, para ela, é a essência da vida, enquanto Casares tenta enquadrá-lo em algum diagnóstico. É como ver a poesia tentando ser traduzida para um gráfico. E a comédia emerge justamente aí, nesse choque de mundos, na ironia da situação, no absurdo de tentar medir a alegria com réguas clínicas.

A beleza de 27 Noites reside na sua capacidade de fazer rir e refletir no mesmo fôlego. O humor não é leviano; ele é uma ferramenta, um bisturi afiado que o trio de roteiristas – Hendler, Martín Mauregui e Agustina Liendo – usa para dissecar nossas próprias hipocrisias e medos. Medo de envelhecer, de perder o controle, de ser julgado, mas também o medo de sermos nós mesmos, de extravasar, de “curtir a vida” de uma forma que desafia o manual. A química entre o elenco principal, incluindo Humberto Tortonese, Julieta Zylberberg e Paula Grinszpan, que trazem camadas adicionais a essa teia familiar e institucional, é palpável. Cada um, à sua maneira, contribui para a complexidade desse microcosmo, onde a normalidade é uma palavra em constante redefinição.

AtributoDetalhe
DiretorDaniel Hendler
RoteiristasDaniel Hendler, Martín Mauregui, Agustina Liendo
ProdutoresAgustina Llambi Campbell, Santiago Mitre
Elenco PrincipalMarilú Marini, Daniel Hendler, Humberto Tortonese, Julieta Zylberberg, Paula Grinszpan
GêneroComédia
Ano de Lançamento2025
ProdutoraLa Unión de los Ríos

Sob a direção atenta de Hendler, o filme nunca cai no melodrama barato. Há uma delicadeza na forma como a câmera observa Martha, uma paciência que nos permite sentir cada nuance de sua jornada. A produção, sob a batuta de Agustina Llambi Campbell e Santiago Mitre pela La Unión de los Ríos, é impecável, criando um ambiente que é, ao mesmo tempo, acolhedor e opressor. Eles conseguem nos fazer sentir o peso das 27 Noites de Martha, sem nunca perder de vista a luz que ela carrega dentro de si.

Ao final, 27 Noites não nos dá respostas fáceis. E talvez seja essa a maior virtude da comédia: nos fazer rir de algo que nos assusta, para que possamos, quem sabe, encará-lo com mais coragem. É um filme que te convida a questionar: até que ponto a busca pela normalidade nos impede de viver plenamente? Onde termina a doença e começa a liberdade? E, mais importante, quem somos nós para julgar o caminho de outra pessoa em busca da própria felicidade? Eu saí do cinema, ontem, com um misto de sensações, e a principal delas era uma urgência renovada de viver minhas próprias “noites” com a mesma intensidade de Martha Hoffman. E sinceramente, meu amigo, que presente essa reflexão.

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