A Lenda de Ochi

Sabe, de vez em quando, um filme chega e te lembra por que a gente se apaixona por essa tal de sétima arte. Não é só escapismo, não é só entretenimento fácil. É a chance de ver o mundo por outros olhos, de sentir na pele dilemas que transcendem a tela. E, olha, A Lenda de Ochi, essa joia lançada recentemente pela A24, me fisgou exatamente por isso. Por que eu sinto essa necessidade de desossar cada pedaço dele para você? Porque, para mim, ele é um grito silencioso sobre a coragem de questionar o que nos foi ensinado, sobre a empatia que nasce onde menos esperamos.

Imagine uma ilha, Carpathia, um lugar que parece ter parado no tempo, envolto em neblina e tradições tão antigas quanto as árvores retorcidas de suas florestas. É lá que mora a pequena Yuri (uma Helena Zengel que, mais uma vez, prova ser um talento assombroso), uma garota de fazenda, tímida, com os olhos sempre atentos, mas também carregando o peso de um medo ancestral. Desde que se entende por gente, Yuri aprendeu a temer os Ochi, criaturas vermelhas, gorila-like, que, segundo a lenda e a experiência amarga de seu povo, são os algozes da vila: destroem colheitas, atacam pessoas e trazem a desgraça. Um temor que seu pai, Maxim (um Willem Dafoe que, francamente, dispensa comentários, mas eu farei mesmo assim), um líder com a determinação gravada em cada ruga do rosto, faz questão de incutir em cada jovem coração da comunidade, ensinando-os a caçar e a odiar.

E aqui, meu amigo, é onde a narrativa de Isaiah Saxon, que tanto dirige quanto assina o roteiro, começa a dançar numa complexidade que poucas produções “para a família” ousam tocar. Não é só uma história de monstros e heróis. É uma tapeçaria intrincada sobre o preconceito. Os Ochi não são apenas “os inimigos”; eles são o espelho do medo irracional que habita a alma humana. E é neste cenário, impregnado por uma atmosfera quase “dreary”, como dizem os gringos – um cinza que se arrasta do céu até as almas – que Yuri tropeça em algo que virará seu mundo de cabeça para baixo: um bebê Ochi ferido, abandonado, tão vulnerável quanto qualquer filhote desamparado.

Essa cena, ah, essa cena! Você vê nos olhos de Helena Zengel a luta. O que fazer? O medo enraizado, aquela voz ecoando as palavras de Maxim sobre o “mordida” fatal, o perigo que essas criaturas representam. Mas, ao mesmo tempo, a inocência daquele pequeno ser, o choro que corta o ar úmido da floresta. É um instante de pura humanidade, onde a empatia se choca com anos de doutrinação. E Yuri, com uma coragem que ela mesma nem sabia que tinha, decide levá-lo para casa. Não para caçar, mas para curar. E assim começa sua jornada, uma “children’s adventure” que é muito mais do que a busca por um lar para um bichinho. É a busca por um novo entendimento do mundo.

AtributoDetalhe
DiretorIsaiah Saxon
RoteiristaIsaiah Saxon
ProdutoresRichard Peete, Isaiah Saxon, Traci Carlson, Jonathan Wang
Elenco PrincipalHelena Zengel, Willem Dafoe, Emily Watson, Finn Wolfhard, Razvan Stoica
GêneroFamília, Fantasia, Aventura
Ano de Lançamento2025
ProdutorasA24, Encyclopedia Pictura, Neighborhood Watch, Year of the Rat, AGBO, Access Entertainment, IPR.VC

A forma como essa “interspecies friendship” se desenvolve é o coração pulsante do filme. Não é instantâneo, não é conto de fadas bobo. Há hesitação, há desafios, há momentos de quase desespero. Mas, passo a passo, a confiança mútua floresce, mostrando que o amor e a compaixão não conhecem barreiras de espécie, nem de lendas contadas por gerações. E aqui, a direção de Isaiah Saxon brilha, com uma estética visual que foge do óbvio, entregando paisagens de Carpathia que são ao mesmo tempo deslumbrantes e opressivas, realçando a solidão e a beleza selvagem da ilha. A A24, mais uma vez, nos entrega uma experiência que transcende o convencional.

E o elenco? Willem Dafoe, como Maxim, é um espetáculo à parte. Ele não é um vilão caricato; é um homem atormentado pelo dever de proteger seu povo, mesmo que isso signifique perpetuar um ciclo de ódio e ignorância. Há uma fragilidade por trás de sua fachada de líder implacável, e Dafoe a entrega com maestria, com a voz embargada pela dureza e, por vezes, um brilho nos olhos que revela a dor. Emily Watson, interpretando Dasha, e Finn Wolfhard, como Petro, embora com menos tempo de tela, complementam esse retrato de uma “dysfunctional family” tentando sobreviver sob a sombra do medo, cada um reagindo à situação de Yuri à sua própria maneira.

A Lenda de Ochi não se acanha em mostrar que a vida real é feita de tons de cinza. Não há respostas fáceis. A jornada de Yuri é, em si, um convite para questionarmos nossas próprias verdades absolutas, para olharmos além do que nos dizem e enxergarmos a beleza e a bondade onde a maioria só vê perigo. É uma obra que fica com você, que te faz pensar muito depois que as luzes se acendem. E isso, para mim, é o verdadeiro poder do cinema.

Que lição você acha que Maxim tira no final dessa aventura? Conte pra gente nos comentários!

Trailer