O Domingo das Mães: Um Retrato de Memória, Amor Proibido e o Nascimento de Uma Autora
Há filmes que, mesmo lançados há alguns anos, permanecem em nossa memória e ganham novo brilho a cada revisitação. O Domingo das Mães, de 2021, é um desses exemplares. Dirigido com sensibilidade por Eva Husson e roteirizado com mestria por Alice Birch – ambos nomes que merecem nossa total atenção –, este longa-metragem transcende o drama de época para se tornar uma meditação profunda sobre o tempo, a memória e o poder da escrita como redenção.
A trama nos transporta para a Inglaterra de 1924, um país ainda se recompondo das cicatrizes da Primeira Guerra Mundial. Conhecemos Jane Fairchild (Odessa Young), uma jovem órfã que trabalha como doméstica na casa dos Niven. É Dia das Mães, e enquanto seus patrões, o Sr. e a Sra. Niven (interpretados com a gravidade esperada por Colin Firth e Olivia Colman), se preparam para celebrar o noivado de Paul Sheringham (Josh O’Connor), filho de seus vizinhos aristocratas, Jane ganha uma rara folga. O que ninguém sabe é que, por quase sete anos, Jane e Paul mantiveram um romance secreto, um elo proibido entre classes que desafiava todas as convenções sociais da época. Este domingo de primavera não é apenas um dia de liberdade para Jane; é o último encontro deles como amantes e o catalisador para uma transformação que moldará toda a sua vida.
O que eleva O Domingo das Mães muito além de um romance de época convencional é sua estrutura narrativa. O filme não se contenta em nos contar uma história linear. Ele a revela através de um engenhoso tríptico de recordações da própria Jane, agora uma escritora bem-sucedida em seus anos dourados, interpretada pela lendária Glenda Jackson. Essa perspectiva retrospectiva não apenas confere à narrativa uma camada de melancolia e sabedoria, mas também nos convida a refletir sobre como os eventos de um único dia podem ecoar por uma vida inteira, se tornando a matéria-prima para a arte e o autoconhecimento. A escolha de Alice Birch em explorar essa rememoração confere ao roteiro uma profundidade que, sem dúvida, se inspira na obra literária que o originou, mas que ganha vida própria na tela.
Atributo | Detalhe |
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Diretora | Eva Husson |
Roteirista | Alice Birch |
Produtores | Stephen Woolley, Elizabeth Karlsen |
Elenco Principal | Odessa Young, Josh O'Connor, Ṣọpẹ́ Dìrísù, Patsy Ferran, Emma D'Arcy |
Gênero | Romance, Drama |
Ano de Lançamento | 2021 |
Produtoras | Number 9 Films, Film4 Productions, BFI, Lipsync Productions, ZDF/Arte |
A direção de Eva Husson é um primor de sutileza e elegância. Ela constrói a atmosfera da Inglaterra pós-guerra com detalhes meticulosos, desde os cenários grandiosos das mansões da aristocracia até os momentos mais íntimos e vulneráveis de Jane. A fotografia é deslumbrante, capturando a beleza de um dia de primavera que, paradoxalmente, marca o fim de uma era e o início de outra para a protagonista. Há uma delicadeza na forma como Husson aborda a sexualidade e a intimidade entre Jane e Paul, sem vulgaridade, mas com uma honestidade que realça a paixão e a dor de seu adeus iminente.
As atuações são, sem dúvida, um dos pilares do filme. Odessa Young entrega uma performance magnética como Jane. Sua capacidade de transmitir a complexidade da personagem – a vulnerabilidade da órfã, a paixão da amante, a inteligência da futura autora – é notável. Vemos nela a quietude que esconde um turbilhão de emoções e a resiliência que a impulsionará para além das suas circunstâncias. Josh O’Connor, por sua vez, é impecável como Paul, um homem dividido entre o amor e o dever, a individualidade e as expectativas de sua classe. Sua química com Young é inegável, e o adeus dos amantes é de cortar o coração, impregnado de uma tristeza digna dos grandes dramas românticos. E a presença de Olivia Colman e Colin Firth, mesmo que em papéis mais contidos, adiciona peso e ares de autenticidade a um mundo que parece rígido e implacável. Mas é Glenda Jackson, com sua voz e presença, que amarra tudo, dando à história um senso de propósito e um destino literário.
O Domingo das Mães é um filme que exige e recompensa a paciência do espectador. Seus pontos fortes residem na sua narrativa não linear, nas atuações sublimes e na direção elegante que, juntas, pintam um retrato vívido do luto e da transformação pessoal. Talvez o ritmo contemplativo não agrade a todos, especialmente aqueles acostumados a tramas mais aceleradas, mas é justamente essa cadência que permite que as emoções e os temas se aprofundem.
Os temas do filme são ricos e ressonantes: o amor proibido, as barreiras de classe, o luto pela perda de uma geração na guerra, e a redescoberta de si mesmo através da arte. O Dia das Mães, ironicamente, torna-se o pano de fundo para a história de uma órfã que, ao invés de celebrar a maternidade biológica, encontra sua própria forma de criar e dar à luz – a si mesma e à sua obra. É uma poderosa mensagem sobre a capacidade humana de transformar a dor em beleza e de encontrar a liberdade mesmo sob as maiores opressões sociais.
O Domingo das Mães é um filme que me marcou profundamente. É uma joia cinematográfica para quem aprecia dramas bem elaborados, que exploram a complexidade das relações humanas e a força do espírito individual. Não é apenas um romance, mas uma ode à memória e ao ato de contar histórias como uma forma de imortalidade. Para os amantes de cinema que buscam uma experiência que evoque reflexão e emoção duradoura, este longa-metragem é, sem hesitação, uma recomendação fervorosa. Se você perdeu a chance de vê-lo na sua estreia em 2021, procure-o nas plataformas digitais. Será um domingo que você não esquecerá.