Por que diabos a gente revisita histórias que já habitam o panteão da nossa memória afetiva? Essa é uma pergunta que me assombra toda vez que um novo remake, especialmente um da Disney, pinta na praça. E, cá entre nós, quando soube que Robert Zemeckis — o gênio por trás de “De Volta Para o Futuro” e “Uma Cilada Para Roger Rabbit” — colocaria as mãos em Pinóquio, meu coração cinéfilo deu um salto. Um misto de esperança e um receio gelado, sabe? Afinal, o Pinóquio animado de 1940 é, para muitos, um farol de storytelling, uma aula de animação e de moralidade. A versão de 2022, que chegou ao Brasil em setembro daquele ano, prometia recontar a saga do boneco de madeira que anseia ser menino. E, bem, o que vimos foi… complexo.
Pode parecer clichê, mas a verdade é que a cada nova tentativa de trazer à tona um clássico tão enraizado, a expectativa é estratosférica. Como superar ou mesmo igualar a pureza e o impacto de uma obra que moldou gerações? Zemeckis, com seu histórico de misturar live-action e animação de forma inovadora, parecia o nome certo para essa empreitada. A premissa de um Pinóquio reimaginado, com a tecnologia de hoje, soava como um aceno sedutor. E o elenco? Ah, o elenco! Tom Hanks como Geppetto? Praticamente uma escolha divina. Quem mais poderia infundir tanta ternura e desespero paterno naquele velho carpinteiro? E ter Joseph Gordon-Levitt dando voz ao grilo falante, Jiminy Cricket, a consciência mais famosa do cinema infantil, era no mínimo intrigante. A Fada Azul ganhando a voz angelical de Cynthia Erivo prometia momentos musicais de arrepiar.
A ambição de Zemeckis era visível. A adaptação tentava capturar a essência daquele conto sobre verdade, obediência e o que realmente significa ser humano. O boneco de madeira, Pinóquio, ganha vida através da voz de Benjamin Evan Ainsworth, e a transição entre o boneco de CGI e o mundo real é, tecnicamente, impressionante. O Jiminy Cricket, com sua animação que beira o hiper-realismo, te acompanha em cada passo, e as cenas com Geppetto são banhadas por um calor humano que só Tom Hanks conseguiria exalar, mesmo diante de um boneco digital. O que me pegou, porém, foi a tentativa de reinterpretar certos aspectos. O conto do boneco de madeira, com sua aventura que muitas vezes beira o assustador – pense na Ilha do Prazer, pense em Stromboli –, precisava de uma nova roupagem, de uma nova profundidade, ou seria apenas uma cópia mais brilhante?
Aí que a coisa desanda um pouco, tá ligado? Enquanto algumas críticas apontam para um desfecho tematicamente mais impactante que o original, outras são bem menos generosas, classificando o filme como um “torrão supérfluo” que “esmaga” personagens clássicos. E, de certa forma, sinto que me encontro no meio desse turbilhão de opiniões. Zemeckis e Chris Weitz, no roteiro, tentam adicionar novas camadas, novos personagens como Signore Rizzi, mas nem sempre funcionam como deveriam. A magia do original estava na sua simplicidade e na força de seus arquétipos. Quando você tenta “melhorar” algo que já era perfeito na sua forma, corre o risco de descaracterizar.
Atributo | Detalhe |
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Diretor | Robert Zemeckis |
Roteiristas | Robert Zemeckis, Chris Weitz |
Produtores | Derek Hogue, Robert Zemeckis, Andrew Miano, Chris Weitz |
Elenco Principal | Joseph Gordon-Levitt, Tom Hanks, Benjamin Evan Ainsworth, Angus Wright, Cynthia Erivo |
Gênero | Fantasia, Aventura, Família |
Ano de Lançamento | 2022 |
Produtoras | Walt Disney Pictures, Depth of Field, ImageMovers |
As escolhas musicais, por exemplo. Cynthia Erivo é uma força da natureza vocal, e sua interpretação de “When You Wish Upon a Star” é, sem dúvida, tocante. Mas, será que o musical precisava de mais? As canções clássicas, apesar de revisitadas, não ganham o mesmo brilho ou o frescor que se esperava de um remake de alto orçamento. É como tentar replicar a emoção de uma melodia que já é sua trilha sonora interna. A gente sabe cada nota, cada pausa, e qualquer desvio, por menor que seja, soa estranho.
O que me resta, depois de tanto tempo desde o lançamento em 2022, é a sensação de que Pinóquio de Robert Zemeckis é um filme de boas intenções e execuções técnicas notáveis, mas que tropeça na alma. As paisagens são deslumbrantes, os efeitos visuais são de cair o queixo, e a mistura de live action e animação é um testamento à genialidade de Zemeckis. Contudo, na tentativa de recontar uma história tão querida, talvez tenhamos perdido um pouco daquele encanto cru, daquela aventura arrepiante que nos fazia prender a respiração. É um Pinóquio que brilha na superfície, mas que, no fundo, luta para encontrar a sua própria voz em meio à sombra gigante de seu predecessor. E você, o que achou? Será que ele nos convenceu a acreditar que o boneco de madeira realmente queria ser um menino de verdade? Ou nos deixou com a sensação de que algumas histórias, talvez, devessem permanecer intocadas?