Vento Selvagem

É engraçado como certos filmes se aninham na gente, não é? Não aqueles blockbusters que explodem na tela e somem da memória no dia seguinte, mas sim aquelas narrativas que se entranham, que mastigamos e digerimos por dias, meses, até anos. Para mim, “Vento Selvagem”, lançado lá em 2022, é exatamente esse tipo de filme. Quando penso nos porquês de ainda me revisitar, de ainda sentir o eco de suas imagens e de seus diálogos, percebo que é porque ele não teve medo de olhar para as profundezas mais escuras do que somos capazes, tanto como indivíduos quanto como sociedade.

O título, “Vento Selvagem”, já nos prepara para algo indomável, imprevisível. E é exatamente isso que Fabian Medea, em sua dupla função de diretor e roteirista, nos entrega. Não é uma brisa suave, meus amigos, é um vendaval que chicoteia a alma e deixa a paisagem moral da gente desarrumada. A premissa é, à primeira vista, um terreno conhecido no cinema criminal: o brutal assassinato de uma jovem. Mas Medea não está interessado em nos guiar por um thriller convencional de “quem matou?”. Não, o cerne de “Vento Selvagem” está no podre que já existia antes do crime, e como esse crime expõe feridas abertas, especialmente as da segregação racial, em uma pequena cidade.

Eu me lembro daquela sensação de aperto no peito ao ver a cidade, quase um personagem por si só, respirando uma atmosfera pesada, saturada de preconceito. Não precisava de grandes falas para nos contar isso; estava nos olhares furtivos, nas barreiras invisíveis que separavam as pessoas, na forma como as ruas pareciam engolir a luz. E é nesse cenário que somos apresentados a Vusi Matsoso, interpretado com uma complexidade visceral por Mothusi Magano, e Wilhelm, com a intensidade contida de Chris Chameleon. Eles são os policiais encarregados do caso. Mas o problema é que, muito antes de cruzarem a linha da investigação, eles já estavam bem para lá dela. São homens que usam o distintivo como um escudo para suas próprias falhas, suas próprias corrupções.

A forma como Magano constrói Vusi é fascinante. Não é um vilão de desenho animado. Você vê a rachadura em sua armadura, o lampejo de humanidade que se debate sob camadas de escolhas erradas. Ele não treme as mãos de nervosismo, mas há um peso em seus ombros, um olhar que vagueia para os lados, como se buscasse uma saída que ele mesmo bloqueou. Já Wilhelm, ah, Wilhelm… Chameleon o interpreta com uma frieza quase assustadora, uma aceitação de sua própria depravação que é mais perturbadora do que qualquer explosão de raiva. A dinâmica entre eles é o coração pulsante do filme, uma dança macabra entre a conivência e o confronto, mostrando como a corrupção não é um ato isolado, mas uma teia que se emaranha e sufoca tudo ao redor.

AtributoDetalhe
DiretorFabian Medea
RoteiristaFabian Medea
Elenco PrincipalMothusi Magano, Chris Chameleon, Frank Rautenbach, Izel Bezuidenhout, Phoenix Baaitse
GêneroCrime, Drama
Ano de Lançamento2022
ProdutorasPressure Cooker Studios, Known Associates Entertainment

O roteiro de Medea tem a habilidade de não nos dar respostas fáceis. Você não vai encontrar heróis impolutos aqui. Frank Rautenbach, como John Smit, Izel Bezuidenhout como Melissa (a jovem que, talvez, seja a chave para o desenrolar da trama, ou talvez seja apenas a faísca que acende o inferno), e Phoenix Baaitse como Slick, todos eles habitam um mundo onde a moralidade é uma névoa densa. Eles são peças em um tabuleiro onde o jogo já está viciado, e a atuação de cada um desses talentos contribui para um mosaico que é cru, real e, por vezes, dolorosamente familiar.

Lembro-me de uma cena específica, que não vou detalhar para não estragar a experiência de quem ainda não viu, mas em que o silêncio diz mais do que qualquer grito. A câmera de Medea não se apressa, ela respira com os personagens, observa as reações, as hesitações. É um cinema que mostra, não conta. Ele nos coloca dentro daquele carro empoeirado, sentindo o calor do sol sul-africano, o cheiro de suor e desespero. E é aí que a “wild life” das palavras-chave ganha outro sentido, não apenas como a fauna selvagem, mas como a selvageria humana, a vida sem freios morais que habita os recantos mais escuros de nossa sociedade.

“Vento Selvagem” não é um filme para assistir distraidamente enquanto se checa o celular. É um soco no estômago, um espelho incômodo. Ele nos força a perguntar: o que acontece quando aqueles que deveriam proteger a lei são os primeiros a quebrá-la? E, mais importante, o que acontece quando uma comunidade permite que as rachaduras da segregação se tornem abismos? Fabian Medea, juntamente com as produtoras Pressure Cooker Studios e Known Associates Entertainment, criou uma obra que transcende o gênero criminal para se tornar um drama social pungente.

Quando os créditos subiram, a tela ficou escura, mas o filme continuou reverberando dentro de mim. O vento selvagem não parou; ele continuou a soprar, agitando as perguntas e os desconfortos que a obra habilmente semeou. E, convenhamos, não é esse o maior elogio que podemos dar a um filme? Que ele não se esqueça de nós, e que nós, por sua vez, não consigamos esquecê-lo. É o tipo de cinema que nos lembra que, por mais que a vida tente nos polir, há sempre um lado selvagem, muitas vezes assustador, esperando para se manifestar. E “Vento Selvagem” o faz com uma maestria que, sim, ainda me assombra, mas de uma forma que me faz pensar, e isso, para mim, é o que realmente importa.

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