O Eco Sombrio de Um Futuro Possível em Código de Lei
Sabe, eu tenho pensado muito ultimamente sobre o cinema como um espelho. Não um espelho que reflete o que já somos, mas um que projeta o que poderíamos nos tornar se certos caminhos fossem trilhados. E é por isso que, mesmo quase quatro anos depois de sua estreia original, sinto uma necessidade quase visceral de revisitar Código de Lei, de William Sullivan. Lançado discretamente em 2021, em um mundo que talvez ainda não estivesse pronto para digerir sua crueza, ele ressoa hoje, 30 de setembro de 2025, com uma urgência que é, ao mesmo tempo, assustadora e inegavelmente relevante. Por que escrevo sobre ele agora? Porque a sensação de que a distopia é menos ficção e mais um futuro próximo nunca esteve tão latente, e Código de Lei não nos deixa esquecer disso.
Imagine um cenário onde a frágil linha que divide o “nós” do “eles” não apenas se intensifica, mas se materializa em uma marca física, um código de barras tatuado na pele. Código de Lei nos joga em uma versão distópica dos Estados Unidos, onde uma milícia civil auto-intitulada “Voluntários” assume o controle, transformando a diversidade em crime. Se você não for branco, heterossexual e cisgênero, você é um alvo, rastreado, caçado. É uma premissa que gela a espinha, não pela sua originalidade absoluta – afinal, a história está repleta de regimes que tentaram “limpar” a sociedade – mas pela proximidade visceral com as tensões que observamos nas manchetes diárias. A cada nova notícia sobre polarização ou intolerância, a sombra dos “Voluntários” parece se alongar um pouco mais. O filme não nos conta que o mundo é perigoso; ele mostra os olhares furtivos nas ruas, o silêncio tenso, os sussurros que precedem a violência, como o estalo de um galho seco na floresta antes de um predador surgir.
No coração dessa narrativa sufocante, encontramos um grupo de amigos – Zabi (Nadine Malouf), David (Nick Westrate), Arjay (Brandon Perea), Sarah (Sarah Wharton) e Jarret (Jarret Kerr, que também co-escreveu o roteiro com Sullivan). Eles são a personificação da esperança e do desespero, e nós os seguimos enquanto tentam uma fuga quase impossível para a fronteira canadense. Cada um deles carrega um pedaço da alma que está sendo esmagada: Zabi com sua resiliência silenciosa, David com seu desespero latente que transborda em momentos cruciais, Arjay com sua energia nervosa, Sarah com sua pragmatismo assustado. A química entre eles é palpável, transformando-os de meros personagens em companheiros de jornada que torcemos para que cheguem ao seu destino, mesmo sabendo que a cada passo a incerteza se agiganta. Jarret Kerr e William Sullivan, na escrita, e Sullivan na direção, conseguem nos conectar a essas pessoas de uma forma tão íntima que cada decisão arriscada, cada perda, cada momento de alento é sentido na nossa própria pele. Não é sobre grandes discursos heróicos; é sobre o tremor nas mãos de um deles ao tentar acender um cigarro, o modo como Zabi aperta a mão de David sem dizer uma palavra, a respiração presa quando um som inesperado ecoa na noite.
| Atributo | Detalhe |
|---|---|
| Diretor | William Sullivan |
| Roteiristas | Jarret Kerr, William Sullivan |
| Elenco Principal | Nadine Malouf, Nick Westrate, Brandon Perea, Sarah Wharton, Jarret Kerr, Michael Raymond-James, Toby Leonard Moore |
| Gênero | Ação, Drama, Thriller |
| Ano de Lançamento | 2021 |
E os antagonistas? Ah, eles são igualmente bem construídos. Toby Leonard Moore, como “The Founder”, não é o vilão caricato que grita e gesticula. Ele é a calmaria na tempestade, a voz racional que justifica o injustificável, o idealizador de uma barbaridade que se veste de ordem. Sua presença é sutilmente ameaçadora, como uma faca afiada que você só percebe quando já está na sua garganta. Michael Raymond-James como Gabe também nos entrega uma performance que encapsula a ambiguidade moral de um mundo à beira do colapho, onde as escolhas são quase sempre entre o ruim e o pior.
Código de Lei não é um filme de final feliz, nem busca ser. É uma experiência visceral, um lembrete contundente de quão rápido a sociedade pode se desintegrar quando o medo e a intolerância são semeados. O ritmo é implacável, alternando momentos de tensão sufocante, onde o ar parece rarear, com explosões de ação brutal que nos deixam sem fôlego. O drama não vem de reviravoltas melodramáticas, mas da constante ameaça, da erosão da esperança, da pergunta silenciosa que paira sobre cada cena: “O que você faria?” ou “Até onde você iria para proteger quem você ama e quem você é?”. É um thriller que não se baseia apenas em sustos baratos, mas na ansiedade profunda que se instala em nossos ossos, na apreensão de um mundo que se recusa a aprender com os próprios erros.
Este é um filme que, para mim, transcende o entretenimento. É um grito de alerta, uma peça de arte que nos convida a uma introspecção desconfortável. Ele nos força a olhar para a vulnerabilidade da identidade, para a banalidade do mal quando justificado por ideologias retorcidas, para a resiliência (e a fragilidade) do espírito humano diante da opressão. E, em 2025, com o mundo como está, acho que Código de Lei é mais do que um filme a ser assistido; é uma conversa que precisa ser tida. Ele não te deixará confortável, e talvez esse seja o seu maior mérito. Ele te deixará pensando, refletindo e, quem sabe, agindo.




