O Reino Gelado 2

Dez anos se passaram desde que vi pela primeira vez O Reino Gelado 2, e a memória da experiência ainda me assombra – no bom sentido, é claro. A animação russa, lançada em 2014 e chegando aos cinemas brasileiros em 12 de novembro de 2015, não foi um fenômeno de bilheteria, e isso, para mim, é uma das maiores injustiças da história recente do cinema de animação. Um filme tão rico em camadas, tão bem-feito e tão… humano.

Uma história de redenção (ou não?)

A trama acompanha Orm, um troll que tenta recomeçar sua vida após servir a Rainha da Neve. Trabalhando duro na mina e morando com a avó, ele enfrenta dificuldades financeiras que o levam a uma decisão arriscada: participar de um torneio para conquistar a mão da princesa e, consequentemente, uma vida mais confortável. Mas o passado, na forma de seus impulsos malévolos, ameaça atrapalhar seus planos.

Direção, Roteiro e Atuações: uma sinfonia russa

A direção de Alexei Tsitsilin é notável. A animação em 3D, para os padrões de 2014, já era bastante competente, mas o que realmente impressiona é a forma como a equipe consegue transmitir emoções tão complexas por meio das expressões dos personagens, principalmente do Orm. Ivan Okhlobystin, que dubla o personagem principal, entrega uma performance memorável, com nuances que transcendem a animação. A escolha do elenco, com nomes como Anna Shurochkina e Anna Khilkevich, contribuiu para criar um conjunto vocal harmonioso e convincente. O roteiro, assinado por uma equipe que inclui Alexei Zamyslov, Roman Nepomnyashchy, Vladimir Nikolaev e o próprio Tsitsilin, é inteligente e surpreendentemente sombrio para um filme que se anuncia como familiar. A abordagem do tema da redenção e da luta contra a própria natureza não é maniqueísta, e isso faz toda a diferença.

Pontos Fortes e Fracos: O Gelo e o Fogo

O Reino Gelado 2 brilha em sua complexidade emocional. O conflito interno de Orm, a luta entre o bem e o mal em seu coração, é apresentado de forma sutil, mas eficaz. A animação, apesar de não ser tecnicamente impecável em comparação com produções ocidentais da época, possui um charme peculiar, um tom quase expressionista em alguns momentos, que contribui para a atmosfera sombria e encantadora do filme. A música, que infelizmente não se destaca tanto assim na memória, é um componente importante na atmosfera geral.

Porém, o filme não está isento de defeitos. Alguns momentos de humor são um pouco forçados e deslocados do tom geral, e a trama, em alguns pontos, pode parecer arrastada. O ritmo, apesar de servir para aprofundar a psicologia de Orm, pode perder alguns espectadores menos pacientes.

Temas e Mensagens: A Busca Pela Redenção

O filme explora temas poderosos como a redenção, a luta contra os próprios demônios internos e a busca por um lugar no mundo. A mensagem principal, se é que podemos resumir em uma única frase, é sobre a possibilidade de transformação, mesmo para aqueles que cometeram erros no passado. A jornada de Orm não é fácil, e ele precisa enfrentar suas próprias fraquezas para alcançar a redenção, mostrando que o perdão, mesmo que demorado, pode ser encontrado.

Conclusão: Uma Obra-Prima Esquecida

Deveríamos estar celebrando O Reino Gelado 2 como uma obra-prima da animação. Sim, ele não tem a grandiosidade visual dos grandes estúdios americanos, mas compensa com uma profundidade narrativa e uma sensibilidade emocional raramente encontradas em filmes de animação, principalmente da época. Apesar dos pequenos defeitos, a experiência de assistir a este filme é inesquecível. Recomendo fortemente para quem busca algo além da animação convencional, para aqueles que apreciam narrativas complexas e personagens memoráveis. É uma pena que ele tenha passado despercebido por muitos, mas com o advento do streaming, espero que O Reino Gelado 2 encontre seu público merecido. Ele merece estar ao lado dos clássicos do gênero. Procurem por ele em plataformas digitais – será um tempo muito bem gasto.