Sabe, há certas figuras que permeiam a nossa existência desde antes de a gente sequer ter consciência delas. O Mickey Mouse é uma dessas. Ele está lá, um sorriso onipresente, um vulto amigável em canecas, camisetas, parques de diversões. Por anos, eu o via mais como uma marca do que como um personagem, um símbolo tão universal que sua história parecia quase um mito. Foi essa curiosidade – essa necessidade de desvendar a pessoa por trás da orelha redonda, o gênio por trás do mito – que me puxou para Mickey: A História de um Camundongo, um documentário que estreou lá em 2022 e que, para mim, continua vibrando com uma relevância surpreendente em pleno 2025.
E por que escrever sobre ele agora? Porque, olhe só, a gente vive em tempos de efemeridade digital. Tudo é descartável. Mas Mickey não. Ele resiste. E esse filme do Jeff Malmberg não é apenas uma biografia cronológica; é uma reflexão sobre a resiliência criativa e a capacidade de um personagem de se moldar, de se reinventar, espelhando as complexas transformações da sociedade que o abraçou.
O filme começa nos transportando para um momento de desespero e genialidade. Imagina o Walt Disney, lá atrás, perdendo os direitos do seu primeiro grande sucesso, o Coelho Oswald. A barra pesava. A angústia era palpável, e é nesse caldeirão de frustração e determinação que um camundongo audacioso, inicialmente batizado de Mortimer e depois rebatizado por Lillian Disney para Mickey, surge. Não é apenas a história de um nascimento; é a história de um homem que se recusa a ser derrotado, um testemunho do espírito de “o show deve continuar”. E o “Steamboat Willie”, com seu som sincronizado, não foi só uma proeza técnica; foi um raio que atingiu o mundo, e, da noite para o dia, Mickey se tornou uma estrela. A tela tremeu, o público vibrou, e uma nova era para a animação (e para o camundongo) começou.
Uma das maiores virtudes deste documentário é a forma como ele desdobra a complexa evolução do Mickey. Não é uma linha reta, viu? Não é um personagem estático. Malmberg, com um toque hábil, nos mostra como Mickey foi de um ratinho travesso e até um pouco anárquico para o símbolo de inocência e benevolência que conhecemos hoje. As entrevistas com figuras como Floyd Norman, um animador lendário cuja sabedoria parece transbordar da tela, e Eric Goldberg, com sua energia contagiante ao falar sobre o desenho, são ouro puro. Eles não apenas narram; eles mostram com suas expressões, com a forma como suas mãos gesticulam, a paixão e a técnica envolvidas em dar vida a esse ícone. A Carmenita Higginbotham, como historiadora, nos ajuda a ligar os pontos entre a imagem do Mickey e o pulso da América, as expectativas de uma nação.
| Atributo | Detalhe |
|---|---|
| Diretor | Jeff Malmberg |
| Produtores | Chris Shellen, Morgan Neville, Meghan Walsh |
| Elenco Principal | Floyd Norman, Carmenita Higginbotham, Eric Goldberg, Mark Henn, Randy Haycock |
| Gênero | Documentário |
| Ano de Lançamento | 2022 |
| Produtoras | Tremolo Productions, ABC News Studios |
A gente vê o camundongo se adaptar. Ele sobreviveu à Grande Depressão, oferecendo um alívio leve e otimista. Ele usou uniforme na Segunda Guerra Mundial, tornando-se um símbolo de patriotismo e união. Depois, com a ascensão da televisão e o boom dos parques temáticos, ele se transformou de estrela de cinema em embaixador global, o rosto de um império. Malmberg não tem medo de tocar nas nuances, nas ambiguidades. Será que Mickey perdeu um pouco de sua “faísca” original ao se tornar tão universal, tão seguro? O filme convida a essa reflexão, apresentando diferentes perspectivas sobre como sua personalidade se diluiu e se expandiu simultaneamente.
A montagem é um espetáculo à parte. Transita com fluidez entre imagens de arquivo raras, clipes de curtas clássicos e entrevistas contemporâneas, criando um fluxo que é ao mesmo tempo informativo e profundamente emotivo. Em um momento, você está rindo com as palhaçadas iniciais do Mickey; no outro, você está refletindo sobre a carga cultural que ele carrega. É uma dança bem orquestrada que captura não apenas a trajetória do personagem, mas também o legado inegável do próprio Walt Disney.
Quando os créditos sobem, a gente não sente que acabou de assistir a uma aula de história, mas sim que teve uma conversa íntima sobre um amigo antigo que a gente pensava que conhecia, mas que se revelou muito mais complexo e fascinante. Mickey: A História de um Camundongo é um filme que nos lembra que, por trás de cada traço de caneta, por trás de cada frame animado, há uma história humana de paixão, inovação e adaptação. E isso, meu caro leitor, é o que o torna um documentário que merece ser redescoberto e apreciado, mesmo anos depois de seu lançamento. É um convite para olhar de novo para o camundongo que, por mais de nove décadas, tem sido mais do que um desenho: tem sido um espelho da nossa própria jornada.




