Sabe, de vez em quando, a gente se depara com um filme que não só te prende na cadeira, mas te coloca numa espécie de transe, te fazendo sentir cada batida de coração, cada gota de suor dos personagens. E quando esse filme consegue fazer isso com uma premissa que, à primeira vista, parece tão simples – uma ligação telefônica – aí, meu amigo, é preciso falar sobre ele. É por isso que Até o Limite, lançado em 2022 e dirigido por Romuald Boulanger, não me sai da cabeça desde que o vi.
A premissa é aquela que mexe com a nossa insegurança mais primal: e se a linha entre a sua vida normal e um pesadelo absoluto se rompesse com um simples toque? O filme nos joga na cabine de rádio com Elvis Cooney (Mel Gibson, num retorno que faz jus ao seu talento para papéis intensos), um radialista noturno que, numa noite como qualquer outra, recebe uma ligação ao vivo. Mas essa não é uma ligação de fã; é de um desconhecido que ameaça, sem rodeios, tirar a vida da sua família. Para salvá-los, Elvis terá que participar de um jogo macabro de sobrevivência, e a única saída é descobrir a identidade do criminoso antes que o tempo se esgote.
Desde os primeiros minutos, somos arrastados para dentro dessa estação de rádio, que rapidamente se transforma numa jaula de ansiedade. É um thriller psicológico da mais pura estirpe, onde a tensão não vem de explosões ou perseguições mirabolantes, mas da guerra mental entre duas vozes, uma desesperada, outra calculista e cruel. E é aí que mora a genialidade do roteiro de Boulanger: ele transforma a familiaridade do ambiente de rádio – as vozes, os silêncios, a linha aberta – em um palco para o terror mais íntimo e claustrofóbico.
Mel Gibson, interpretando Elvis Cooney, entrega uma performance visceral que te faz engolir em seco. Você vê a cada ruga que se forma em seu rosto, a cada tremor mal contido em sua voz, o fardo pesado de um homem empurrado para o limite. Não é só atuação, é uma transfiguração. Ele é o pai aterrorizado, o profissional zeloso que agora vê seu mundo desmoronar ao vivo. A gente sente a adrenalina correndo pelas veias dele, a paranoia crescendo a cada palavra do criminoso. Ele se torna um avatar para o nosso próprio medo de impotência, e Gibson o personifica de uma forma que é ao mesmo tempo chocante e profundamente humana.
Atributo | Detalhe |
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Diretor | Romuald Boulanger |
Roteirista | Romuald Boulanger |
Produtores | Robert Ogden Barnum, Romuald Boulanger, Marc Frydman |
Elenco Principal | Mel Gibson, William Moseley, Alia Seror-O'Neill, Paul Spera, Kevin Dillon |
Gênero | Thriller, Drama |
Ano de Lançamento | 2022 |
Produtoras | CaliWood Pictures, R-Lines Productions, Icon Productions, TPC, BondIt |
Do outro lado da linha, temos a voz fria e perversa de Gary/James, interpretado com uma maestria arrepiante por Paul Spera. O que ele faz é mais do que ameaçar; ele manipula, provoca, e de certa forma, até brinca com Elvis. Há uma ironia cruel em suas exigências e uma camada de malícia quase jubilosa em suas palavras que te deixa com um arrepio na espinha. Não é um vilão bidimensional; há algo quase filosófico em seu jogo, uma necessidade de provar um ponto, de questionar a moralidade e os limites humanos. É um criminoso psicótico, sim, mas sua complexidade torna a interação ainda mais suspensa e intrigante.
Os outros membros do elenco, como William Moseley (Dylan), Alia Seror-O’Neill (Mary) e Kevin Dillon (Justin), embora com menos tempo de tela, são essenciais para construir o universo e as apostas do filme. Eles são os elos da corrente, as faces do perigo que tornam a corrida contra o tempo de Elvis tão desesperadora. A gente não precisa vê-los muito para sentir o peso da ameaça pairando sobre eles, tudo por causa da forma como Gibson e Spera constroem essa atmosfera de urgência e desespero.
Romuald Boulanger, que além de dirigir, também assina o roteiro, mostra uma habilidade notável em manter o ritmo. Há momentos de silêncio ensurdecedor, que amplificam a nossa sensação de perigo iminente, intercalados com explosões de desespero e revelações que fazem a gente pular na cadeira. A transição entre esses picos e vales é fluida, orgânica, garantindo que o público esteja sempre à mercê do jogo do criminoso. A produção da CaliWood Pictures, R-Lines Productions e Icon Productions, entre outras, conseguiu criar um ambiente que é cru, direto e imersivo, sem excessos.
Este filme não busca ser otimista ou nos dar respostas fáceis. Pelo contrário, ele nos joga num poço de incertezas e nos força a refletir sobre o que faríamos “até o limite”. É uma experiência que, embora angustiante, é ricamente provocativa e reflexiva. Não é o tipo de filme que te deixa eufórico, mas sim com um sentimento de wonder sobre a psique humana e o quão frágil pode ser a nossa rotina. É um lembrete sardônico e, de certa forma, até ridículo, de como estamos todos “na linha” de alguma forma, seja pela imprevisibilidade da vida ou por uma voz maliciosa do outro lado.
Se você busca um filme que vai além do entretenimento superficial, que te convida a mergulhar na complexidade de um homem confrontado com o inferno pessoal, e que te fará questionar tudo sobre controle, comunicação e sobrevivência, então Até o Limite é um prato cheio. Dois anos depois de seu lançamento, ainda consigo sentir o peso daquele fone de ouvido, o zumbido da linha e a voz suspiciosa que pode vir de qualquer lugar. É um filme que, de forma estranhamente joyful em sua intensidade, permanece conosco, nos fazendo pensar.