Ruído Branco

É engraçado como certos filmes se agarram à gente, não é? Não no sentido de serem imediatamente compreensíveis ou totalmente apaixonantes, mas de uma forma que te cutuca, te provoca e te faz mastigar o que acabou de ver por dias a fio. Para mim, Ruído Branco de Noah Baumbach, que chegou ao Brasil no final de 2022, é um desses bichos-papões cinematográficos. E olha, ouso dizer que poucos filmes dos últimos anos me deixaram tão confusa e, ao mesmo tempo, tão fascinada. Não é uma daquelas experiências “ame ou odeie” no sentido simplista; é mais um “ame e odeie, e depois ame de novo, e se pergunte por que está amando o que está odiando”.

Quando a gente pensa em Noah Baumbach, vem à mente dramas íntimos, diálogos afiados sobre relacionamentos e a neurose da vida adulta, não é? Pense em ‘História de um Casamento’ ou ‘Frances Ha’. Mas com Ruído Branco, ele mergulhou de cabeça na adaptação do icônico romance de Don DeLillo, e o resultado é uma criatura totalmente diferente. De repente, somos jogados no mundo do professor Jack Gladney (um Adam Driver que se entrega de corpo e alma à excentricidade), um pioneiro dos estudos sobre Hitler, casado com a complexa Babette (Greta Gerwig, em uma performance que é um primor de ambiguidade). Eles formam uma família com quatro filhos de diferentes casamentos, uma espécie de Torre de Babel doméstica que borbulha com uma energia caótica e verbalmente densa.

O filme começa quase como uma comédia de costumes, um olhar satírico sobre a intelectualidade americana, a cultura de consumo desenfreada e as dinâmicas familiares disfuncionais. O campus universitário de New Hampshire, onde Jack e seu colega Murray Siskind (Don Cheadle, com uma presença sempre bem-vinda) travam batalhas acadêmicas sobre Elvis e Hitler, é um cenário de absurdos controlados. A forma como os diálogos fluem, quase como recitativos, é uma marca registrada que inicialmente me fisgou. Há uma cadência única, uma inteligência cínica que nos puxa para dentro daquele universo peculiar. Você se pega rindo das observações pontuais e da excentricidade dos personagens, mesmo que um certo desconforto já comece a formigar.

Então, do nada – ou, como a vida real nos ensina, de um minuto para o outro – tudo muda. Um vazamento de produtos químicos de um vagão-tanque libera uma nuvem tóxica, o temido “Evento Tóxico Aerotransportado”. De repente, a comédia se choca violentamente com o drama de um desastre natural, forçando a família Gladney a se juntar a uma massa de pessoas em fuga, enfrentando o desconhecido. É nesse ponto que o filme, para alguns, “sai dos trilhos”, como li em algumas críticas. E eu entendo por que alguns teriam essa sensação. A guinada é abrupta, o tom se retorce, e o que era uma sátira cerebral ganha contornos de um suspense existencial, com pitadas de horror e, acredite, ainda mais comédia.

AtributoDetalhe
DiretorNoah Baumbach
RoteiristaNoah Baumbach
ProdutoresUri Singer, David Heyman, Noah Baumbach
Elenco PrincipalAdam Driver, Greta Gerwig, Don Cheadle, Raffey Cassidy, Sam Nivola
GêneroComédia, Drama
Ano de Lançamento2022
ProdutorasHeyday Films, NB/GG Pictures, A24

O verdadeiro cerne de Ruído Branco reside na luta de Jack contra seu maior medo: a própria mortalidade. Ele é um homem que se esconde atrás de sua intelectualidade, de sua família numerosa, de sua rotina de professor universitário, para não encarar a finitude. E Babette? Ela lida com isso de uma forma ainda mais enigmática, buscando consolo e, talvez, esquecimento em substâncias que prometem afastar o pavor do fim. A química entre Adam Driver e Greta Gerwig é palpável, criando um retrato de um casamento que, apesar de todo o ruído externo e interno, se ancora na necessidade mútua de negação e aceitação.

O filme não nos dá respostas fáceis. O “ruído branco” do título pode ser interpretado de diversas maneiras: o zumbido constante da mídia, a sobrecarga de informações, o medo incessante do mundo moderno, ou simplesmente o som indistinto da existência, que nos acompanha até o último suspiro. Baumbach nos força a dançar entre o riso nervoso e a reflexão sombria sobre o que significa estar vivo (e, consequentemente, morrer) em uma sociedade saturada de consumo, desinformação e ansiedade.

A obra é um lembrete vívido de que a vida real é muitas vezes um emaranhado de contradições, um lugar onde o absurdo e o trágico se misturam sem pedir licença. Não é um filme para quem busca um entretenimento simples ou uma narrativa linear. É uma experiência que desafia, que te joga em diferentes direções, e que, no final das contas, te convida a ponderar sobre seus próprios medos e a estranha beleza da nossa condição humana. No dia 16 de outubro de 2025, Ruído Branco continua ecoando em minha mente, uma prova de que, às vezes, os filmes mais desafiadores são os que mais merecem ser explorados e discutidos, mesmo que a gente não chegue a um consenso sobre eles. E talvez seja exatamente esse o ponto.

Trailer

Oferta Especial Meli+

Assine o Meli+ e assista a Ruído Branco no Netflix (incluso na assinatura).

Você ainda ganha frete grátis no Mercado Livre, Deezer Premium e muito mais. *Benefícios sujeitos aos termos do Meli+.

Assinar Meli+