Sabe, há filmes que a gente assiste e, mesmo que passem anos, eles ficam. Não é só a história que gruda, mas a sensação, o nó na garganta, a beleza bruta de uma narrativa que não tem medo de ser feia para ser verdadeira. Noite no Paraíso, de Park Hoon-jung, que chegou ao Brasil em abril de 2021 e hoje, em outubro de 2025, ainda ecoa na minha memória, é um desses filmes. Por que falar dele agora? Porque ele não é apenas mais um thriller de crime sul-coreano; é uma meditação melancólica sobre a vingança, a dor e a futilidade da violência, embrulhada numa embalagem estilosa e brutal que me deixou pensando por dias.
Eu tenho uma queda por narrativas que exploram o lado mais sombrio da condição humana, especialmente quando a fotografia consegue transformar a desolação em algo quase poético. E Park Hoon-jung, quem já nos deu obras como ‘Novo Mundo’, sabe como poucos caminhar por essa linha tênue. Noite no Paraíso nos joga no meio de um turbilhão com Park Tae-goo ( 엄태구), um gangster que, como tantos antes dele no cinema, busca uma saída, um respiro, uma vida longe do submundo. Mas o universo, ou talvez o destino impiedoso, conspira contra ele de uma forma cruelmente familiar.
O gatilho para a derrocada de Tae-goo é uma tragédia tão injusta que você sente a bile subir. Aquela cena inicial envolvendo a sobrinha dele… parecia um acidente, sim, mas a forma como as coisas se desenrolam, as mortes que vêm depois, me deixou com um peso no peito, um “por que diabos isso aconteceu?” que é a base de toda a busca de Tae-goo por vingança. É a partir dessa injustiça profunda que o filme respira, transformando um ato de violência num massacre que o força a fugir.
E para onde ele vai? Para Jeju Island, um paraíso idílico que serve de palco para o inferno pessoal de Tae-goo. É um contraste visual que beira o genial: praias serenas, paisagens exuberantes, e no meio disso tudo, a promessa de mais sangue e traição. Jeju não é apenas um pano de fundo; é quase um personagem que testemunha a miséria humana com uma indiferença estonteante. Você se pergunta se a beleza do lugar é um bálsamo para as almas perdidas ou apenas uma ironia cruel.
| Atributo | Detalhe |
|---|---|
| Diretor | 박훈정 |
| Roteirista | 박훈정 |
| Produtores | Shin Min-kyung, Yeon Young-sik, 박훈정 |
| Elenco Principal | 엄태구, 전여빈, 차승원, 이기영, 박호산 |
| Gênero | Crime, Thriller, Ação |
| Ano de Lançamento | 2020 |
| Produtoras | Next Entertainment World, Peppermint & Company, Goldmoon Film |
Lá, escondido e ferido, ele cruza o caminho de Kim Jae-yeon ( 전여빈). Ah, Jae-yeon… uma mulher com seus próprios demônios, uma aura de melancolia e uma arma. Ela é a personificação da fatalidade, uma figura que, em qualquer filme noir, seria a femme fatale, mas aqui, ela é algo mais complexo. Ela é um espelho para Tae-goo, alguém que entende a linguagem da dor e da perda sem precisar de palavras. Os diálogos entre eles são escassos, mas carregados de significado, revelando mais sobre seus passados e presentes do que qualquer monólogo faria. Você vê a dor nos olhos dela, a forma como ela fuma, a maneira como ela se move, e percebe que ambos estão à deriva em um mar de desespero.
A coreografia das cenas de ação, como bem notou um colega crítico na época, é brutal e realista. Longe de ser glorificada, a violência é visceral, você sente cada golpe, cada corte. Aquela cena na rodovia, por exemplo, é um lembrete contundente da capacidade do diretor de criar tensão e caos controlado. Mas o que realmente me fisga não é a violência em si, mas as suas consequências. A forma como o filme explora a vingança não como algo catártico, mas como um ciclo que só traz mais sofrimento, mais mortes, mais vazio.
O elenco entrega performances impecáveis. 엄태구, como Tae-goo, transmite uma força silenciosa e uma vulnerabilidade palpável. Ele é um homem à beira do abismo, e o ator consegue nos fazer sentir isso com cada olhar. 전여빈, por sua vez, é magnética como Jae-yeon, uma mulher que carrega o peso do mundo nas costas e que, de alguma forma, encontra um ponto de conexão com o protagonista. E Cha Seung-won ( Ma Sang-gil), no papel do antagonista, é ameaçador e carismático na medida certa, um lembrete de que o mal, muitas vezes, tem um sorriso no rosto.
Noite no Paraíso é, no fundo, um lamento. Um lamento sobre escolhas irreversíveis, sobre a lealdade e a traição, sobre a busca por um amor fugaz em meio à carnificina. É um filme que te arrasta para o seu universo de gângsteres, de lealdades testadas e de uma violência extrema, mas te deixa com uma pergunta: vale a pena? O que resta quando a vingança é consumada? É um testamento do poder do cinema sul-coreano de contar histórias que são ao mesmo tempo universalmente humanas e profundamente enraizadas em seu próprio contexto cultural. Se você ainda não viu, eu diria que é uma experiência cinematográfica que vale cada minuto da sua melancólica e inesquecível jornada.




