A Face De Um Anjo

Existe uma espécie de magnetismo estranho que nos puxa para as histórias de crimes reais. Não sei bem se é a curiosidade mórbida, a busca por uma lógica no caos, ou a tentativa de entender o lado mais sombrio da psique humana. Seja qual for o motor, é inegável que, para muitos de nós, essas narrativas têm um poder quase hipnótico. E é exatamente essa tensão entre a atração pelo horror e a complexidade da verdade que me faz revisitar, mesmo quase dez anos depois de sua estreia no Brasil em 27 de março de 2015, um filme como A Face De Um Anjo.

Não é um thriller convencional, daqueles que prometem reviravoltas mirabolantes a cada cena. Pelo contrário, o que Michael Winterbottom nos entrega aqui é algo mais visceral, mais perturbador em sua sutileza. O filme, baseado em um caso de assassinato real que chocou a Itália e o mundo, não se propõe a ser uma reconstituição factual. Ah, não! Ele nos mergulha na mente de Thomas Lang (Daniel Brühl), um cineasta americano em busca de redenção depois de um primeiro filme que, digamos, não encontrou seu público. Ele chega a Siena com a missão de transformar uma tragédia em um produto “palatável” para Hollywood, uma espécie de espetáculo para ser consumido.

Mas Siena não é Hollywood. A cidade, um labirinto medieval de pedras centenárias e sombras profundas, respira história e segredos. Ela não é apenas um cenário; é um personagem silencioso, que absorve Thomas, o envolve em sua névoa de passado e presente. Sabe aquela sensação de entrar num lugar antigo, onde as paredes parecem sussurrar histórias que você não consegue decifrar por completo? É assim que a cidade age sobre Thomas, uma espécie de sedução gótica que distorce sua percepção da realidade.

Thomas chega com seu pragmatismo de produtor, com sua checklist de “o que vende”, mas Siena o desarma. A investigação do brutal assassinato que ele deveria transformar em roteiro começa a se infiltrar em seus sonhos, em suas visões diurnas. Daniel Brühl, com sua capacidade ímpar de transmitir uma vulnerabilidade quase palpável, nos mostra um Thomas que se desintegra lentamente. Você vê o cansaço em seus olhos, a paranoia em seus gestos hesitantes, a luta interna entre a persona profissional e o homem que está sendo corroído pela escuridão que ele tenta documentar. Não é uma transformação explosiva; é um gotejamento constante, uma erosão da alma que Brühl encarna com uma honestidade dolorosa.

AtributoDetalhe
DiretorMichael Winterbottom
RoteiristaPaul Viragh
ProdutoraMelissa Parmenter
Elenco PrincipalDaniel Brühl, Kate Beckinsale, Cara Delevingne, Ava Acres, Corrado Invernizzi
GêneroDrama, Thriller
Ano de Lançamento2014
ProdutorasYpsilon Films, BBC Film, Multitrade, Cattleya, Revolution Films, Vedette Finance

Ao seu lado, ou talvez em sua órbita, está Simone Ford (Kate Beckinsale), uma jornalista que escreveu um livro sobre o caso e que se tornou uma espécie de enciclopédia viva dos detalhes e das nuances da tragédia. Beckinsale, em um papel mais contido do que estamos acostumados, traz uma frieza calculada, um pragmatismo que contrasta com a espiral descendente de Thomas. Ela é a voz da razão, a guardiã dos fatos, mas mesmo ela não está imune ao peso do caso. A interação entre eles é fascinante: ele, em sua busca por uma verdade quase mística, assombrado pelos fantasmas; ela, aterrada na materialidade dos documentos e testemunhos. Juntos, eles formam um díptico sobre as diferentes formas de se aproximar de um trauma.

E, claro, há Melanie (Cara Delevingne), uma jovem misteriosa cuja conexão com o caso não é imediatamente óbvia, mas que se torna um elo crucial na jornada de Thomas. Delevingne, com sua presença magnética e uma melancolia discreta, adiciona outra camada de ambiguidades, questionando a superficialidade com que a mídia, e por extensão Thomas, tende a tratar as vítimas e os envolvidos. Ela personifica a juventude que foi tocada pela sombra, a parte da história que é frequentemente silenciada ou distorcida.

O que me prende a A Face De Um Anjo é sua recusa em simplificar. Michael Winterbottom é um mestre em explorar a complexidade da condição humana, e aqui ele faz isso com uma sensibilidade quase documental. O roteiro de Paul Viragh não oferece respostas fáceis. Ele nos convida a questionar a natureza da verdade, a ética de se construir narrativas a partir da dor alheia, e como nossa própria percepção pode ser moldada – e distorcida – pelo ambiente e pela obsessão. O filme é um espelho para a nossa própria fascinação com o crime, mostrando o preço que se paga ao mergulhar tão fundo nas trevas.

Não espere um final feliz ou uma resolução limpa. Não é esse o propósito. A Face De Um Anjo é uma experiência atmosférica, um drama psicológico que se disfarça de thriller de investigação. É uma exploração da linha tênue entre a realidade e a ficção, entre a busca pela justiça e a exploração comercial. Ele te deixa com perguntas, com uma sensação de incômodo, e com a certeza de que algumas faces, por mais angelicais que pareçam à primeira vista, guardam um abismo de mistérios e sombras em seus olhos. E talvez, no fim das contas, essa seja a maior verdade que qualquer história pode nos oferecer.

Trailer

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