A História Oficial

A Verdade Inadiável: Quarenta Anos de A História Oficial

Há certas obras que transcendem a tela e se cravam na alma do espectador, transformando-o de alguma forma. E A História Oficial, lançado em 1985, é, para mim, uma dessas raríssicas joias cinematográficas. No distante 17 de setembro de 2025, ao revisitar este longa-metragem argentino, a sua potência e relevância parecem não apenas intocadas, mas ainda mais urgentes. É um filme que, ao mesmo tempo em que nos mergulha em um capítulo sombrio da Argentina dos anos 80, nos força a confrontar a nossa própria relação com a verdade, a memória e a cumplicidade.

Quando assisti a A História Oficial pela primeira vez, há anos, fui capturado pela delicadeza com que Luis Puenzo e Aída Bortnik, os roteiristas e o diretor, respectivamente, abordaram um tema tão brutal. Não é um filme que grita, mas que sussurra verdades incômodas, permitindo que a angústia cresça de forma orgânica e devastadora no peito de quem assiste. É um drama histórico que, de forma magistral, entrelaça o micro da vida familiar com o macro da política e dos crimes de estado.

O Despertar da Consciência em Tempos de Silêncio

AtributoDetalhe
DiretorLuis Puenzo
RoteiristasAída Bortnik, Luis Puenzo
ProdutoresNora Puenzo, Luis Puenzo
Elenco PrincipalNorma Aleandro, Héctor Alterio, Hugo Arana, Guillermo Battaglia, Chela Ruiz
GêneroDrama, História
Ano de Lançamento1985
ProdutorasProgress Communications, Historias Cinematográficas, Cinemanía

A trama nos transporta para Buenos Aires no início da década de 1980, um período de transição após os anos de chumbo da ditadura militar. Conhecemos Alicia Marnet (Norma Aleandro, em uma performance que definiria sua carreira), uma professora de história conservadora, aparentemente alheia aos horrores que assolaram seu país. Casada com Roberto Ibáñez (Héctor Alterio), um empresário influente, e mãe adotiva da pequena Gaby, Alicia vive em uma bolha de conforto e negação. Sua rotina, suas aulas sobre uma história oficial e “limpa”, contrastam brutalmente com a realidade sangrenta que começa a emergir.

O reencontro com Ana (Chunchuna Villafañe, em um papel secundário, mas de impacto imenso), uma velha amiga que acaba de voltar do exílio, é o catalisador. As verdades veladas, os sussurros de um passado recente, começam a perfurar a couraça de Alicia. Uma pergunta surge, inicialmente tímida, depois insistente, quase uma obsessão: de onde veio sua filha? Essa busca pelas pistas sobre a misteriosa origem de Gaby não é apenas uma jornada pessoal; é a metáfora perfeita para a Argentina que, àquela altura, começava a confrontar seus fantasmas.

Uma Direção Sutil, Um Roteiro Afiado e Atuações Memoráveis

A direção de Luis Puenzo é um espetáculo à parte. Ele não recorre a sensacionalismos, preferindo construir a tensão e o suspense através de olhares, diálogos subentendidos e a atmosfera pesada que paira sobre a cidade. Cada cena é cuidadosamente orquestrada para nos fazer sentir o desconforto de Alicia, a desconfiança que se instala em seu casamento e a crescente certeza de que há algo de profundamente errado. A forma como Puenzo explora a relação de marido e mulher, desvendando segredos de família e a cumplicidade silenciosa, é de uma perspicácia notável.

O roteiro de Aída Bortnik e Luis Puenzo é uma aula de como construir um drama político-pessoal. Eles conseguem equilibrar a delicadeza do drama familiar com a brutalidade do contexto histórico. A evolução de Alicia, de uma mulher ingênua e complacente para uma figura que busca a verdade a qualquer custo, é um dos arcos de personagem mais bem desenvolvidos que já vi. É uma história que se desenrola no ritmo da descoberta, onde cada peça do quebra-cabeça revela uma imagem mais dolorosa.

E, sem dúvida, o que eleva A História Oficial a um patamar de excelência são as atuações. Norma Aleandro, como Alicia, é um furacão de emoções contidas. Sua transformação é gradual, interna, e a vemos desmoronar e se reconstruir diante de nossos olhos. Cada gesto, cada expressão de dúvida, medo e determinação é palpável. É uma das maiores atuações da história do cinema argentino e mundial. Héctor Alterio, como Roberto, é o contraponto perfeito: um homem que tenta manter as aparências, cujo amor pela família se choca com a conveniência e os atos sombrios do passado. A química e o conflito entre Aleandro e Alterio são o coração pulsante do filme. O elenco de apoio, com nomes como Hugo Arana e Chela Ruiz, também entrega performances sólidas que adicionam camadas à narrativa.

Memória, Verdade e o Legado da Ditadura

Os temas abordados por A História Oficial são atemporais e universais, mas profundamente enraizados na história argentina. A película explora a ditadura militar, os crimes de estado e, sobretudo, a dolorosa questão dos “desaparecidos” e o roubo de bebês. O filme não apenas expõe as atrocidades, mas também questiona a responsabilidade individual e coletiva em momentos de opressão. Alicia, a professora de história, é forçada a reescrever sua própria história, a questionar a “história oficial” que ensina e viveu.

A mensagem central é clara: a busca pela verdade é inegociável, mesmo que ela seja dolorosa. É um libelo contra o negacionismo e um chamado à memória. Para um país que, em 1985, ainda estava se recuperando e tentando entender o que havia acontecido, este filme foi um grito necessário, um espelho implacável.

Um Legado Inabalável

Para alguns espectadores acostumados a ritmos mais acelerados do cinema contemporâneo, a cadência de A História Oficial pode parecer, à primeira vista, um pouco lenta. No entanto, o que alguns poderiam classificar como um “ponto fraco”, considero, na verdade, uma virtude inegável. A lentidão é um componente essencial para a imersão na jornada de Alicia, permitindo que a angústia se instale de forma gradual, orgânica e profunda. A força do filme reside precisamente nessa construção cuidadosa da atmosfera de crescente desassossego. A sua intensidade emocional não é para todos, mas é exatamente essa intensidade que o torna inesquecível.

A História Oficial não é apenas um filme; é um documento histórico, uma obra de arte que marcou profundamente o cinema argentino e mundial. Lançado apenas dois anos após o fim da ditadura, foi um ato de coragem e um marco na filmografia de um país que precisava cicatrizar suas feridas. Não por acaso, ele se tornou o primeiro filme argentino a ganhar o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, um reconhecimento merecido para uma produção de tamanha magnitude e relevância.

Quarenta anos após seu lançamento original, A História Oficial permanece tão potente e atual quanto no dia em que estreou. É um lembrete vívido da importância de conhecer e confrontar o passado para construir um futuro mais justo. É um filme que nos provoca, nos emociona e nos faz refletir sobre o peso da verdade. Não perca a oportunidade de (re)descobrir esta obra-prima, disponível hoje em diversas plataformas digitais. É mais do que um filme; é uma experiência que nos ensina sobre a resiliência humana e a eterna busca pela justiça. E, francamente, é um filme que todos deveriam ver.

Trailer

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