A Luta de uma Vida

Existe uma categoria de filmes que, para mim, transcende o mero entretenimento. São obras que se agarram à sua alma, chacoalham suas convicções e, mesmo anos depois, continuam a ecoar em pensamentos silenciosos. A Luta de uma Vida, que chegou aos cinemas brasileiros em setembro de 2022, é um desses filmes. Eu me lembro de sair da sala escura com um peso no peito, uma compreensão visceral da fragilidade da existência e da tenacidade inquebrantável do espírito humano. Não é uma história fácil de digerir, e talvez seja por isso que precise ser contada e recontada, para que nunca esqueçamos o custo da desumanidade e a complexidade da sobrevivência.

A essência do filme reside na figura de Harry Haft, um homem que carrega um fardo quase insuportável. Ben Foster entrega uma atuação que é menos interpretação e mais encarnação. Desde o primeiro vislumbre de Harry, ainda jovem, nos campos de concentração nazistas, até sua versão mais velha, um homem destroçado que tenta reconstruir uma vida nos Estados Unidos pós-guerra, Foster é Harry. Seus olhos, que parecem ter visto o inferno em primeira mão, sua postura encurvada, a forma como cada músculo do seu corpo parece lutar contra memórias fantasmagóricas – tudo isso grita “trauma”. Não é preciso que um diálogo nos diga que ele está assombrado; a câmera nos mostra suas mãos tremendo ao segurar um copo de água, a inquietação perpétua em seu olhar, a respiração presa que sugere um grito abafado há muito tempo.

O que torna a jornada de Harry tão angustiante é a moralidade distorcida da sua sobrevivência. Para continuar vivo em Auschwitz, ele é forçado a lutar boxe contra outros prisioneiros, um espetáculo macabro para o entretenimento dos oficiais nazistas. Cada soco que ele desfere, cada vitória que o mantém vivo por mais um dia, é uma faca de dois gumes que dilacera sua alma. Como se vive depois de ter feito o impensável para existir? Como se reconcilia a vontade de viver com a culpa de ter sobrevivido quando tantos outros não tiveram essa chance, ou foram as vítimas da sua própria sobrevivência? O filme não busca respostas fáceis, ele nos joga no meio dessa tempestade de “e se” e “porquês”.

Barry Levinson, na direção, maneja com sensibilidade a delicadeza de contar uma história tão brutal. Ele não explora o horror dos campos de forma gratuita, mas o mostra em flashes, em pesadelos, em cicatrizes que, mesmo invisíveis, são profundas. A paleta de cores muda drasticamente entre o cinza lúgubre do passado e o colorido, mas ainda melancólico, do presente. A fotografia nos Estados Unidos é mais saturada, mas a alegria ainda parece distante, como uma promessa que Harry não consegue alcançar totalmente.

AtributoDetalhe
DiretorBarry Levinson
RoteiristaJustine Juel Gillmer
ProdutoresAaron L. Gilbert, Matti Leshem, Barry Levinson, Scott Pardo, Jason Sosnoff
Elenco PrincipalBen Foster, Billy Magnussen, Vicky Krieps, Peter Sarsgaard, Saro Emirze, Danny DeVito, John Leguizamo, Dar Zuzovsky, Laurent Papot, Paul Bates
GêneroHistória, Ação, Drama
Ano de Lançamento2022
ProdutorasBron Studios, Creative Wealth Media Finance, Endeavor Content, Baltimore Pictures, New Mandate Films, USC Shoah Foundation

A busca de Harry por seu primeiro amor, Leah (uma tocante Dar Zuzovsky, que aparece em flashbacks que quebram o coração), é a âncora que o impede de se afogar completamente. Ela é a razão, a esperança frágil que o impulsiona a entrar nos ringues de boxe de alto nível, enfrentando lendas como Rocky Marciano. Essas lutas não são apenas sobre vitórias ou derrotas físicas; são metáforas para sua luta interna. Cada golpe recebido é um lembrete do passado, cada soco desferido é uma tentativa desesperada de se libertar, de gritar para o mundo sua existência, na esperança de que Leah o ouça, onde quer que ela esteja.

O elenco de apoio é a rede que impede o filme de desmoronar sob o peso de sua própria gravidade. Vicky Krieps como Miriam Wofsoniker, a mulher que tenta se conectar com o Harry pós-guerra, é a personificação da compaixão e da paciência. Sua Miriam não é uma salvadora, mas uma força gentil que entende a profundidade de sua dor, mesmo sem ter vivido a mesma experiência. E o que dizer de Danny DeVito como Charley Goldman, o treinador de boxe? Ele é a voz da experiência, o alívio cômico necessário em momentos de tensão, mas também a ponte para um mundo que Harry luta para integrar. A química entre Foster e DeVito traz um calor inesperado, uma camaradagem que é um bálsamo em meio a tanta angústia.

A Luta de uma Vida é um soco no estômago, mas é também um abraço. É a história de um homem que sobreviveu ao inferno, mas que precisa lutar a batalha mais difícil de todas: a batalha contra si mesmo, contra a culpa, contra as sombras que o passado insiste em projetar. É um lembrete pungente de que a guerra não termina quando os tiros cessam; ela continua reverberando nas vidas daqueles que a vivenciaram. Dois anos depois de seu lançamento, a história de Harry Haft continua a me assombrar, a me fazer pensar sobre o que significa ser humano, o que somos capazes de fazer para sobreviver e a nossa eterna busca por redenção e, quem sabe, um pouco de paz. É um filme que, sem dúvida, se inscreve na galeria das grandes narrativas de resiliência e da intrincada teia da memória.

Trailer

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