A lenda de Bruce Lee, para muitos de nós, transcende a tela. É uma energia, uma filosofia, um estilo de vida que nos cativou, talvez desde a primeira vez que vimos um de seus filmes clássicos, o corpo vibrando com uma força quase sobrenatural, a voz gutural pontuando cada golpe. E é exatamente por essa conexão quase visceral que revisitar A Origem do Dragão (ou, como conhecemos lá fora, ‘Birth of the Dragon’), quase oito anos depois de sua estreia em 2017, se tornou uma experiência curiosamente catártica para mim. Não é só um filme de kung fu; é uma tentativa ousada, e por vezes desajeitada, de decifrar o mito.
Por que, afinal, mergulhar novamente nas areias movediças de uma cinebiografia que, desde o seu lançamento, gerou mais debates do que consensos? Porque a vida é assim, cheia de nuances, e as histórias que escolhemos contar sobre nossos ícones também deveriam ser. A Origem do Dragão, dirigido por George Nolfi e com roteiro de Christopher Wilkinson e Stephen J. Rivele, prometia nos levar ao epicentro de um dos confrontos mais lendários e misteriosos da carreira de Bruce Lee: o duelo de 1964 contra o mestre Wong Jack Man. Mas, como bem sabemos, a vida nem sempre segue o roteiro, e o cinema muitas vezes prefere o espetáculo.
Quando Philip Ng, com aquela expressão séria e um fogo nos olhos que remete ao próprio Bruce, entra em cena, o coração de qualquer fã salta. Ele não está ali para ser Bruce Lee, mas para interpretar a lenda em formação. E convenhamos, essa é uma tarefa hercúlea. A performance de Ng é uma coreografia de respeito, não apenas nos movimentos fluidos e mortais do Jeet Kune Do, mas também na tentativa de capturar a arrogância jovem e a confiança inabalável que caracterizavam Lee naquela fase. Você sente a tensão em cada músculo contraído, a impaciência borbulhando sob a superfície, pronta para explodir como um dragão recém-despertado.
Mas, o que realmente faz A Origem do Dragão se destacar — e, para alguns, tropeçar — é o seu salto audacioso para a ficção. O filme nos apresenta o embate histórico entre Lee e Wong Jack Man (um Yu Xia imponente e de uma serenidade quase inabalável, um contraponto perfeito à efervescência de Ng), uma luta que ainda hoje é envolta em mistério e diferentes relatos. A cena é visceral, rápida, uma dança brutal de filosofia e força, onde cada golpe ressoa com o peso de duas tradições colidindo. É ali, naquele chão de academia, que o filme atinge seu clímax de autenticidade no gênero de ação.
Atributo | Detalhe |
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Diretor | George Nolfi |
Roteiristas | Christopher Wilkinson, Stephen J. Rivele |
Produtores | Janice Williams, Christopher Wilkinson, Michael London, Leo Shi Young, Stephen J. Rivele, Hong Pang |
Elenco Principal | 伍允龍, Billy Magnussen, 夏雨, Ron Yuan, Darren E. Scott |
Gênero | Ação, Drama |
Ano de Lançamento | 2017 |
Produtoras | Groundswell Productions, Kylin Pictures, WWE Studios, Good Universe, BH Tilt |
E então, o filme vira a esquina para um beco que não existe nos livros de história. Depois do confronto que deveria ser o ápice, Bruce Lee e Wong Jack Man, sim, os dois arquirrivais, unem forças para combater a máfia chinesa que assolava Chinatown em São Francisco. Eu te pergunto: uma heresia para os puristas? Talvez. Mas, para um cineasta em busca de uma narrativa mais ampla, uma aventura que transcendesse o drama pessoal, essa decisão se torna uma tela em branco para explorar temas de redenção, respeito e a improbable amizade que pode nascer até mesmo do conflito mais feroz. Billy Magnussen, como Steve McKee, o aluno e narrador que serve como nosso guia nesta jornada de descoberta, é a ponte que liga o espectador a essa narrativa expandida, um filtro ocidental para a intensidade oriental.
A produção, com nomes como Janice Williams e Christopher Wilkinson na equipe e o selo de Groundswell Productions e Kylin Pictures, além da surpreendente WWE Studios, sugere uma mistura de autenticidade chinesa com um toque de entretenimento americano que talvez explique essa fusão de gêneros e licenças poéticas. É um casamento interessante de estéticas, que busca atrair tanto os amantes do drama quanto os viciados em adrenalina.
A Origem do Dragão não é um documentário, e nunca se propôs a ser. É uma fábula moderna, inspirada em fatos, que usa a figura monumental de Bruce Lee para contar uma história sobre superar diferenças, encontrar um propósito maior e, claro, desferir alguns golpes de kung fu absolutamente espetaculares. Vê-lo novamente em 2025 me fez apreciar a audácia de Nolfi e sua equipe. Não é um filme perfeito, longe disso. Há momentos em que a mistura de ficção e realidade se torna um pouco desequilibrada, onde você sente que a narrativa poderia ter explorado com mais profundidade a complexidade dos personagens reais. Mas, ele tenta, ele se arrisca. E no mundo do cinema, especialmente em biopics de figuras tão lendárias, a tentativa audaciosa já é, por si só, digna de nota.
No final das contas, A Origem do Dragão é um filme de ação e drama que, por mais que se afaste da precisão histórica, se mantém fiel ao espírito de luta e da busca por excelência que Bruce Lee tanto personificava. Ele nos lembra que lendas, por mais que veneradas, também são matéria-prima para novas histórias, novos ângulos e novas formas de entender o legado. E talvez, no silêncio que se segue ao último golpe, a verdadeira origem do dragão não esteja apenas no duelo, mas na capacidade de transcender as expectativas, as verdades e as ficções, para se tornar algo maior. Um conto de luta, sim, mas também de uma parceria improvável que, mesmo que nunca tenha existido, faz a gente acreditar que, no fundo, todo guerreiro busca um aliado.