O mundo do cinema é um mar vasto, e, cá entre nós, quantas vezes a gente não mergulha em um thriller de ação esperando uma coisa e sai da sala (ou do sofá) com a sensação de que já viu aquilo trocentas vezes? É uma fórmula que funciona, claro, mas a alma da gente, essa parte que busca uma faísca, uma história que grude, muitas vezes fica ali, meio órfã. E é exatamente por essa busca incessante por algo que me surpreenda, que me faça refletir, que eu decidi revisitar e escrever sobre A Última Vítima. Lançado em 2022, esse filme, dirigido com uma sensibilidade afiada por Reem Morsi e roteirizado por Cheryl Meyer, não é só mais um no gênero; ele é um soco no estômago disfarçado de um sussurro.
Você conhece o tipo: o matador de aluguel cansado da vida, o último trabalho que dá errado. Clichê, não é? Pois bem, A Última Vítima pega essa premissa familiar e a vira do avesso, nos convidando a espiar por uma fresta a alma de um homem em frangalhos. Keele, interpretado com uma maestria silenciosa por Shawn Doyle, é essa figura. Não é o assassino glamoroso de jaqueta de couro, nem o lobo solitário invencível. Ele é um homem em seus anos cinzentos, marcado pelas escolhas que o levaram até ali, com os olhos pesados de uma vida de mortes. Dá para sentir o cheiro de cigarro velho e café amargo só de olhar para ele, sabe? A câmera de Morsi não o julga, apenas o observa, e nós, junto dela, começamos a sentir a ferrugem da sua existência corroendo a armadura de “profissional”.
O trabalho? Eliminar Peyton, uma jovem testemunha que pode conectar Keele e seu parceiro, o psicótico Palmer, a um assassinato recente. O que deveria ser uma execução de rotina, algo que Keele já fez incontáveis vezes com a frieza de quem aperta um botão, desmorona. E aqui está a beleza sutil, a nuance que eu tanto busco: a crise de consciência de Keele. Não é um raio que cai do céu, mas um lento e doloroso despertar, como uma ferida antiga que começa a latejar de novo, mostrando que a humanidade, por mais soterrada que esteja, nunca morre de verdade. Shawn Doyle não precisa de monólogos grandiosos para nos mostrar essa luta; basta ver a hesitação em suas mãos, o olhar que se desvia, a forma como ele respira, ou melhor, como ele se nega a respirar fundo, como se cada expiração o trouxesse mais para perto de algo que ele não quer mais ser. É visceral, é humano, é dolorosamente real.
E então, temos Peyton. Ah, Peyton! Alexia Fast nos entrega uma personagem que não é só a “vítima” do título, mas a personificação da resiliência. Ela não é passiva, não chora e espera ser salva. Peyton é uma força da natureza, uma jovem que, mesmo com o mundo desabando sobre ela, luta, questiona, e, de alguma forma, enxerga em Keele algo além do monstro. Sua presença desafia Keele não apenas fisicamente, em uma espécie de jogo de gato e rato tenso e claustrofóbico, mas moralmente. Ela é o espelho que Keele se recusa a olhar, mas que, ironicamente, o força a encarar o que restou de sua alma. É fascinante ver como a dinâmica entre eles se transforma, de caçador e presa para algo mais complexo, onde a linha entre protetor e ameaça se torna dolorosamente tênue.
Atributo | Detalhe |
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Diretor | Reem Morsi |
Roteirista | Cheryl Meyer |
Elenco Principal | Alexia Fast, Shawn Doyle, Josh Cruddas, Bryce Hodgson, Jonas Chernick |
Gênero | Ação, Thriller |
Ano de Lançamento | 2022 |
Produtoras | Gearshift Films, High Star Entertainment |
Do outro lado do espectro, Bryce Hodgson como Palmer é a escuridão pura que faz o contraste perfeito. Palmer não tem crise, não tem remorso. Ele é a máquina que Keele, talvez, um dia sonhou em ser, ou pior, teme ter se tornado. Sua presença é uma ameaça constante, um lembrete do abismo para onde Keele está sendo puxado. É um personagem que, embora não tenha tanto tempo de tela quanto Keele e Peyton, deixa uma marca inquietante, como uma mancha de óleo que se espalha pela trama, ameaçando engolir tudo. E os papéis coadjuvantes, como o Doug de Josh Cruddas e o Eli de Jonas Chernick, servem para solidificar esse universo brutal, mostrando que a rede de onde Keele tenta escapar é vasta e impiedosa.
A Última Vítima não é sobre explosões e perseguições mirabolantes, embora tenha sua dose de adrenalina. É sobre a claustrofobia da moralidade, sobre a faísca que acende a chama da redenção em um lugar improvável. Reem Morsi, na direção, opta por uma abordagem mais contida, que nos permite sentir a tensão palpável em cada cena, os olhares que dizem mais do que qualquer diálogo. O ritmo é um tango lento e perigoso, alternando momentos de silêncio sufocante com explosões de violência bruta. Cheryl Meyer, com seu roteiro, constrói personagens de verdade, com cicatrizes visíveis e invisíveis, e nos força a questionar: será que a gente sempre tem uma última chance? E se sim, o que estamos dispostos a fazer por ela?
Eu te pergunto: você já se pegou pensando em uma decisão que tomou há muito tempo, e se perguntou “e se…”? A Última Vítima brinca com essa ideia, mas em um palco muito mais sombrio. É um filme da Gearshift Films e High Star Entertainment que, ao invés de buscar a grandiosidade superficial, aposta na profundidade da experiência humana. É uma joia de thriller psicológico que merece ser descoberta, uma história que, em meio ao caos e à violência, nos lembra da nossa capacidade de mudar, de lutar por algo mais, mesmo quando achamos que não há mais nada a perder. Se você está cansado do mesmo e busca uma narrativa que te acompanhe muito depois que os créditos subirem, dê uma chance a A Última Vítima. Prometo que, como eu, você não vai se arrepender de ter mergulhado nessa história de redenção e desespero.