Além das Manobras, a Alma: A Revolução Autêntica de Leo Baker em Movimento
Há pouco mais de três anos, em agosto de 2022, quando A Vida no Skate com Leo Baker estreou no Brasil, confesso que meus olhos de crítico já estavam atentos. Não por ser um entusiasta fanático de skate – embora a arte sobre quatro rodas sempre me tenha fascinado –, mas pela promessa de uma narrativa que transcenderia o esporte para mergulhar nas profundezas da identidade. E posso dizer, sem pestanejar, que este documentário não só cumpriu essa promessa, como a elevou a um patamar de honestidade brutal e beleza inspiradora.
O filme, dirigido por Nicola B. Marsh e Giovanni Reda, nos convida a uma jornada íntima com Leo Baker, um nome que ecoa nos anais do skate profissional. Mas esta não é uma história de ascensão convencional. É a crônica de um atleta que, no auge de sua carreira e sob os holofotes do reconhecimento, encontra um conflito interno avassalador: a necessidade urgente de alinhar sua identidade de gênero com a pessoa que o mundo via. O documentário desdobra a saga de Leo se tornando um dos maiores nomes do skate, ao mesmo tempo em que ele se autodescobre e se assume como uma pessoa trans. É uma dança delicada entre a busca pela glória em campeonatos e a busca ainda mais vital pela própria verdade.
Para mim, a alma deste longa-metragem reside na forma como a direção habilmente tece essas duas narrativas aparentemente díspares. Marsh e Reda não apenas documentam, eles sentem a história de Leo. A câmera, muitas vezes, é um observador silencioso e empático, mas em outras, ela pulsa com a energia das manobras, dos impactos, da adrenalina. Há uma sincronicidade notável entre a fluidez do skate e a jornada fluida e corajosa da autodescoberta de Leo. Eles utilizam uma mescla inteligente de imagens de arquivo, que nos transportam para o passado de Leo como Lacey Baker, e entrevistas contemporâneas, onde vemos um Leo Baker plenamente presente, vulnerável e, acima de tudo, autêntico. A estrutura narrativa não é linear de forma maçante; ela salta entre o pódio e o divã da alma, criando um ritmo que mantém o espectador engajado e emocionalmente investido.
| Atributo | Detalhe |
|---|---|
| Diretores | Nicola B. Marsh, Giovanni Reda |
| Elenco Principal | Leo Baker, Alexis Sablone, Melissa Bueno-Woerner, Alex White, Letícia Bufoni |
| Gênero | Documentário |
| Ano de Lançamento | 2022 |
O grande trunfo, naturalmente, é o próprio Leo Baker. Interpretar “Self” em um documentário exige uma coragem que poucos possuem. Leo se entrega à câmera com uma honestidade desarmante, permitindo-nos ver suas dúvidas, seus medos, sua transição, e a libertação que advém de viver sua verdade. Não há filtros. Não há poses. É uma performance de autenticidade que é, em si mesma, um ato de ativismo. O filme não se limita a Leo; ele traz vozes cruciais como Alexis Sablone, Melissa Bueno-Woerner, Alex White e a ícone Letícia Bufoni. A participação de Bufoni, em particular, adiciona uma camada de reconhecimento e apoio vinda de uma das figuras mais proeminentes do skate feminino, tornando a jornada de Leo ainda mais palpável e validada dentro da comunidade do esporte. Eles não são meros entrevistados, são pilares de apoio e reflexão, que enriquecem a compreensão do impacto da transição de Leo no seu entorno e no esporte.
Os pontos fortes são muitos e ressoam profundamente. Primeiramente, a relevância do tema. Em um mundo que ainda batalha para entender e aceitar a diversidade de gênero, A Vida no Skate com Leo Baker é um farol de visibilidade e compreensão sobre a transsexualidade, não como um conceito abstrato, mas como uma vivência humana profunda e complexa. A maneira como o filme explora o conflito entre a identidade de gênero e a carreira profissional é fascinante. Leo Baker não é apenas um atleta trans; é uma pessoa trans que também é uma atleta, e essa distinção é crucial. O filme demonstra que a plenitude da pessoa transcende qualquer rótulo ou expectativa externa. A fotografia, especialmente nas sequências de skate, é espetacular, capturando a beleza bruta e a arte da modalidade.
Se há um ponto fraco, e aqui me permito uma crítica mais acentuada, é que talvez o filme, em seu desejo de ser íntimo e pessoal – o que é, sem dúvida, uma virtude –, possa deixar alguns espectadores desejando uma exploração mais aprofundada das implicações mais amplas da presença de atletas trans no esporte. Não que o filme devesse ser um tratado sociológico, mas em alguns momentos, as conversas sobre as pressões externas e a resistência poderiam ter ganhado um pouco mais de espaço, sem desviar do foco em Leo. Isso, no entanto, é um detalhe menor frente à força do trabalho.
Os temas e mensagens centrais são poderosos e atemporais: a busca pela autenticidade, a coragem de ser quem você realmente é, a importância do autoconhecimento e a resiliência frente aos desafios pessoais e sociais. É uma ode à liberdade individual e à necessidade de desafiar as normas quando elas se opõem à nossa verdade interior. O filme questiona o que significa “vencer” – é levantar um troféu ou viver em paz com a própria alma? Para Leo, e para muitos que assistem, a resposta é clara: a vitória maior é a autodescoberta.
Em conclusão, A Vida no Skate com Leo Baker é um documentário essencial. Não é apenas para fãs de skateboarding ou para a comunidade LGBTQIA+. É para qualquer pessoa que já se sentiu dividida, que já lutou para se encaixar ou que busca inspiração para ser verdadeira consigo mesma. É uma obra que ilumina, emociona e, sim, revoluciona. Três anos após seu lançamento original, em 2022, sua mensagem continua tão relevante quanto sempre. Recomendo fervorosamente que você procure este longa-metragem em sua plataforma de streaming favorita. Prepare-se para ser tocado, para refletir e, quem sabe, para encontrar um pouco da sua própria coragem na jornada extraordinária de Leo Baker. É um filme que, como uma manobra perfeita, deixa uma marca indelével.




