Sabe, tem algo de magneticamente triste e belo em histórias que nos jogam num mundo pós-colapso. Não me refiro àquelas sagas épicas de zumbis ou super-heróis lutando contra monstros mutantes, mas àquelas que nos forçam a encarar o silêncio, o vazio, o que resta da humanidade quando tudo o que conhecíamos se foi. É essa a veia que me atraiu de cara para Agora Estamos Sozinhos (originalmente, “I Think We’re Alone Now”), um filme de 2018 que, mesmo não sendo o mais bombástico, deixou uma marca persistente na minha mente. E é por isso que, mesmo passados alguns anos desde seu lançamento, eu sinto a necessidade de destrinchar essa pequena, porém poderosa, joia cinematográfica.
A primeira coisa que me fisga nesse tipo de narrativa é a premissa: o que faríamos se fôssemos o último, ou um dos últimos, seres humanos na Terra? Em Agora Estamos Sozinhos, conhecemos Del, interpretado por um Peter Dinklage que parece ter nascido para esse papel. Ele não é um herói de ação, nem um sobrevivente rabugento. Del é um bibliotecário, e isso diz muito sobre ele. Ele vive numa pequena cidade vazia, mantendo uma rotina quase monástica: pesca, organiza livros, varre as casas, enterra corpos. Você consegue quase sentir o pó acumulado nos tomos antigos que Del meticulosamente organiza, o cheiro de papel envelhecido permeando o ar da biblioteca, um santuário silencioso que ele chama de lar. É uma vida de ordem, de controle, de uma solidão que ele, surpreendentemente, parece abraçar.
E é aí que a diretora Reed Morano, conhecida por sua cinematografia impecável e pela direção da série “The Handmaid’s Tale”, brilha. Ela pinta um futuro pós-apocalíptico que não é desolador apenas na destruição, mas na quietude ensurdecedora. Cada plano vazio de ruas e casas abandonadas fala volumes. Não há pressa. A solidão é uma escolha. Ou, talvez, a única opção.
Mas essa quietude, essa paisagem quase meditativa, é brutalmente rompida pela chegada de Grace, interpretada por uma Elle Fanning que transborda uma energia nervosa e imprevisível. Grace é o oposto de Del. Ela é jovem, caótica, curiosa, e traz consigo um passado que ela não quer – ou não pode – revelar. Ela é uma intrusa no santuário de Del, um desafio à sua solidão cuidadosamente construída. E é exatamente aí que o drama e o mistério se aprofundam, como as águas escuras do lago onde Del costuma pescar.
Atributo | Detalhe |
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Diretora | Reed Morano |
Roteirista | Mike Makowsky |
Produtores | Fernando Loureiro, Brian Kavanaugh-Jones, Roberto Vasconcellos, Mike Makowsky, Peter Dinklage, Fred Berger |
Elenco Principal | Peter Dinklage, Elle Fanning, Paul Giamatti, Charlotte Gainsbourg, Elaine Apruzzese |
Gênero | Drama, Ficção científica, Mistério |
Ano de Lançamento | 2018 |
Produtoras | Automatik Entertainment, Estuary Films, IM Global, Exhibit Entertainment, Ferrotame Films Limited, Lonely Child Productions, Opposite Field Pictures |
A dinâmica entre Dinklage e Fanning é o coração do filme. Ele, com sua melancolia resignada e seu humor seco; ela, com sua vivacidade e sua busca desesperada por conexão. Você vê o embate entre a reclusão e a necessidade humana de companhia. Eles se completam e se irritam na mesma medida, e o roteiro de Mike Makowsky, apesar de minimalista, permite que esses personagens respirem e evoluam – ou lutem contra a evolução – de forma orgânica. Não é sobre o que aconteceu com o mundo, mas sobre o que está acontecendo com esses dois no que resta dele.
Agora, sendo bem honesto com você, sei que algumas críticas apontaram que o filme talvez “arranhou a superfície” do enredo, que teve “muita construção e pouca recompensa”. E eu entendo esse sentimento. Agora Estamos Sozinhos não é um filme que entrega todas as respostas de bandeja. O mistério da catástrofe que eliminou a humanidade permanece em grande parte sem solução explícita, e os segredos de Grace se desdobram de forma lenta, quase ambígua. Mas, veja bem, para mim, essa é uma das suas maiores qualidades. Não é sobre ter um vilão para combater ou um problema para resolver. É sobre a psique humana, sobre como lidamos com o isolamento, com a perda, e com a inevitável chegada do “outro”. A recompensa não está numa reviravolta grandiosa, mas na jornada interna, nas perguntas que ele nos deixa remoendo.
E o elenco secundário, mesmo que apareça em poucas cenas, adiciona camadas importantes. Paul Giamatti e Charlotte Gainsbourg, mesmo que em participações menores, são como fantasmas vivos, catalisadores para a verdade de Grace vir à tona, e para Del ter que confrontar uma realidade muito mais complexa do que sua vida solitária permitia.
No fim das contas, Agora Estamos Sozinhos é um filme para quem gosta de pensar, de sentir, de ser transportado para uma atmosfera. Ele me fez refletir sobre a ordem que impomos à nossa vida para controlar o caos, sobre a inevitabilidade da conexão humana, mesmo quando ela nos tira da nossa zona de conforto. Não espere explosões ou grandes revelações. Espere silêncio, espera, e a delicada e complexa dança entre dois seres humanos tentando entender seu lugar num mundo que não tem mais um lugar para eles. E, pra mim, isso já é uma recompensa e tanto.