Sabe, a gente sempre tem um calcanhar de Aquiles cinematográfico. Para mim, são as histórias de esporte. Não qualquer uma, mas aquelas que, mesmo seguindo uma cartilha que a gente já conhece de cor, conseguem tocar a alma, arrepiar a pele e, no fim das contas, nos fazer acreditar de novo no impossível. É por isso que, mesmo passados alguns anos desde seu lançamento original em 2022, Arremessando Alto (ou Hustle, no original) continua ressoando aqui dentro, como um daqueles arremessos perfeitos que caem suavemente na cesta. E hoje, aqui em 2025, a paixão por ele permanece intacta.
Por que revisitar um filme com um roteiro que, convenhamos, não inventa a roda? Porque o truque não está em reinventar a roda, mas em como ela gira. E neste filme, ela gira com uma sinceridade e um coração que são raros. Se você, como eu, já assistiu a dezenas de dramas esportivos, sabe o que esperar: o azarão com potencial, o mentor desiludido, o caminho árduo até o sucesso. Mas, e aqui reside a mágica, Arremessando Alto nos entrega um “Rocky do basquete” com uma roupagem tão humana e autêntica que a previsibilidade se dissolve no suor da quadra e na angústia dos personagens.
Adam Sandler, no papel de Stanley Sugerman, é o nosso Mickey. Não aquele Mickey de “Happy Gilmore”, mas o Mickey de Rocky, o treinador ranzinza, mas com um coração gigante e uma fé inabalável. Stanley é um olheiro de basquete que, após anos de estrada, de aeroportos e hotéis sem graça, está à beira do colapso, carregando nas costas o peso de sonhos não realizados. Ele está cansado, exausto, e a performance de Sandler é um primor de sutileza: dá pra sentir o cansaço nos seus olhos, o desespero velado em cada piada sarcástica. Ele não precisa tremer as mãos para nos mostrar o quanto está à flor da pele; a voz embargada e a forma como ele se agarra a cada pequena vitória de seu pupilo já dizem tudo.
E o pupilo, Bo Cruz, interpretado com uma naturalidade surpreendente por Juancho Hernangómez, é o nosso Rocky Balboa. Um gigante espanhol, um talento bruto descoberto por Stanley em uma rinha de basquete de rua na Espanha. Mas Bo não é apenas músculos e habilidade; ele carrega cicatrizes profundas. A realidade de uma gravidez na adolescência, a necessidade de sustentar sua família e um temperamento explosivo são a camada de areia que ameaça soterrar seu potencial. Hernangómez, um jogador da NBA na vida real, não é um ator de carreira, e talvez seja exatamente por isso que sua interpretação exala uma autenticidade que poucos conseguiriam replicar. Você vê o jogador, sim, mas acima de tudo, você vê o homem lutando por uma oportunidade.
Atributo | Detalhe |
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Diretor | Jeremiah Zagar |
Roteiristas | Will Fetters, Taylor Materne |
Produtores | Jeff Kirschenbaum, LeBron James, Joe Roth, Adam Sandler, Zack Roth, Maverick Carter, Allen Covert |
Elenco Principal | Adam Sandler, Juancho Hernangómez, Queen Latifah, Anthony Edwards, Kenny Smith |
Gênero | Drama, Comédia |
Ano de Lançamento | 2022 |
Produtoras | Roth-Kirschenbaum Films, Happy Madison Productions, The SpringHill Company |
O que me cativa neste filme é a maneira como ele abraça as complexidades da vida, sem jamais se render ao sentimentalismo barato. A relação entre Stanley e sua esposa, Teresa (uma Queen Latifah sempre impecável), e sua filha, é o alicerce silencioso de tudo. É uma família inter-racial que irradia amor e apoio, um porto seguro para Stanley quando o mundo do basquete parece desabar. Não há grandes discursos sobre isso; está simplesmente lá, natural, real, como a vida deveria ser.
E o basquete? Ah, o basquete! É filmado de uma maneira que faz você sentir a bola nas pontas dos dedos, o suor escorrendo, a respiração ofegante. Jeremiah Zagar, o diretor, não se intimida em nos levar para dentro das quadras, nos fazer sentir a tensão de cada drible e cada arremesso. A presença de jogadores reais da NBA, como o próprio Hernangómez, Anthony Edwards (interpretando o antagonista Kermit Wilts com uma arrogância convincente) e Kenny Smith, injeta uma dose de realismo que eleva o filme a outro patamar. Não é apenas uma história de esporte; é um vislumbre do mundo real do basquete profissional, com suas exigências brutais e seus sonhos despedaçados.
Há uma cena específica, quando Stanley está treinando Bo, detalhando os movimentos de cada jogador que ele enfrentará. É uma analogia perfeita para a vida: você tem que estudar seus adversários, conhecer seus pontos fortes e fracos, adaptar-se, cair e levantar. Não é só sobre talento bruto; é sobre resiliência, estratégia e uma inabalável crença em si mesmo e no seu mentor. É nesse treinamento, naquelas repetições exaustivas e nos sermões apaixonados de Stanley, que a verdadeira essência de Arremessando Alto se manifesta.
Este é um filme sobre segundas chances, sobre acreditar quando ninguém mais acredita. Sobre a persistência de um olheiro que enxerga o brilho em um diamante bruto, mesmo quando ele está coberto de lama. É um drama que faz rir, uma comédia que faz chorar. É, em sua essência, uma “dramédia” que entende a tênue linha entre a derrota e a vitória, e nos lembra que, às vezes, a maior vitória é simplesmente a oportunidade de tentar. E por isso, mesmo daqui a dez anos, tenho certeza de que Arremessando Alto continuará a ser um dos meus arremessos favoritos.