Setembro de 2011. Lembro-me bem do burburinho. A Itália, mais uma vez, nos convidava a mergulhar nas suas paixões, e o cinema italiano nos presenteava com algo que, à primeira vista, parecia familiar, mas que, ao se desenrolar, revelava uma inteligência e um charme bastante particulares. Quase quinze anos se passaram desde que As Idades do Amor (Manuale d’amore 3, no original italiano, para os puristas como eu) chegou às telas, e hoje, em outubro de 2025, enquanto a vida segue seu ritmo implacável, me pego revendo-o com uma sensibilidade diferente. Não é apenas um filme, sabe? É quase um espelho. Um convite a refletir sobre a jornada mais tortuosa e gratificante que existe: o amor.
Por que revisitar Giovanni Veronesi e sua trilogia sobre o amor, especialmente este capítulo, que considero o mais maduro e melancólico, entrelaçado com pinceladas de comédia que a vida insiste em nos dar? Porque As Idades do Amor não se contenta em nos contar uma história; ele nos oferece três, cada qual uma faceta distinta da mesma moeda. É como se Veronesi, ao lado dos roteiristas Ugo Chiti e Andrea Agnello, tivesse aberto um daqueles velhos cadernos de recortes da nonna, cheios de memórias, suspiros e alguns arrependimentos.
A primeira “idade” que nos cativa é a dos Jovens Amantes, e aqui mergulhamos no universo de Roberto (Riccardo Scamarcio), um advogado que tem a vida traçada a régua e compasso. Ele é o noivo exemplar de Sara, o profissional promissor, o homem do futuro perfeito. Mas, como a vida adora uma reviravolta digna de um bom roteiro, ele se depara com Micol (Laura Chiatti) durante uma expropriação nas suaves colinas da Toscana. Ah, a Toscana! Não é apenas um cenário, é um personagem por si só, com seus campos dourados e sua luz que parece acariciar cada frame. Micol é um furacão em miniatura, uma mulher linda e provocante que surge do nada para desorganizar cada milímetro da existência planejada de Roberto. O que vemos aqui não é apenas a atração física; é o embate entre a segurança e o vertiginoso desconhecido. É a dúvida que corrói o “dever ser” e acende o “poder ser”. Scamarcio e Chiatti entregam uma química efervescente, aqueles olhares trocados que dizem muito mais do que qualquer diálogo, mostrando a tensão palpável entre a paixão avassaladora e as consequências de um amor proibido. É a juventude tropeçando em suas próprias certezas, descobrindo que o coração nem sempre obedece ao mapa.
Depois, somos arrastados para a Crise dos Meio-Termos, onde encontramos Fabio (Carlo Verdone), um apresentador famoso que, por 25 anos, encarnou o marido perfeito. Verdone, um mestre da comédia dramática italiana, é um espetáculo à parte. Seu Fabio não é um vilão, mas um homem em uma encruzilhada existencial, com a gravidade de alguém que carrega o peso de expectativas. Em uma festa, o destino (ou a providência, ou talvez a enésima taça de vinho) o coloca diante de Eliana (interpretada pela sempre fascinante Valeria Solarino, que, embora não citada no elenco principal, deixa sua marca de ‘femme fatale’). O que começa como um caso de uma noite, um deslize de quem busca algo para reacender o fogo apagado da rotina, transforma-se em um pesadelo agridoce quando Eliana se recusa a deixá-lo. Aqui, Veronesi mergulha na complexidade da infidelidade, não com julgamento, mas com uma observação quase clínica do desespero e da busca por uma faísca. A comédia de Verdone está na sua expressão, nos seus silêncios, na sua perplexidade diante de uma situação que foge completamente do seu controle. É a meia-idade se questionando, desconstruindo a imagem do “perfeito” e se confrontando com as escolhas impulsivas que podem destruir uma vida inteira.
| Atributo | Detalhe |
|---|---|
| Diretor | Giovanni Veronesi |
| Roteiristas | Giovanni Veronesi, Ugo Chiti, Andrea Agnello |
| Produtores | Luigi De Laurentiis, Aurelio De Laurentiis |
| Elenco Principal | Carlo Verdone, Robert De Niro, Monica Bellucci, Laura Chiatti, Riccardo Scamarcio |
| Gênero | Romance, Comédia, Drama |
| Ano de Lançamento | 2011 |
| Produtoras | Filmauro, Babe Films |
Por fim, chegamos à “idade” que, para mim, carrega a maior profundidade e a beleza mais serena: a dos Amantes Maduros. Adrian (Robert De Niro), um professor de história da arte americano, muda-se para Roma após o divórcio. Ele busca paz, um novo começo longe do tumulto da vida anterior. Adrian, com a sabedoria e a cansaço dos anos, encontra um amigo no porteiro Augusto e, através dele, conhece Viola (Monica Bellucci). Ah, Monica Bellucci! Ela não interpreta Viola; ela é Viola. Cada movimento, cada olhar dela, é uma ode à sensualidade e à paixão que o tempo não conseguiu apagar. Adrian, que parecia ter a chama da vida diminuída, é despertado pela presença imponente e vibrante de Viola. De Niro, com sua contenção e seu olhar profundo, entrega uma performance que nos faz sentir o renascimento. Não é um amor de arroubos juvenis, mas um amor que se constrói na admiração, no respeito, na redescoberta de que a vida ainda pode surpreender. A cena em que Adrian recita versos, talvez para si mesmo, talvez para o espectador, enquanto Viola o observa, é um primor de cinema. É a idade que se permite amar novamente, com a bagagem de uma vida inteira, mas com a leveza de quem sabe que cada momento é precioso.
As Idades do Amor é uma tapeçaria rica, costurada com a expertise de produtores como Luigi e Aurelio De Laurentiis, que sempre souberam dar ao cinema italiano ares de grande produção, sem perder a alma. Giovanni Veronesi dirige com uma sensibilidade que equilibra os gêneros – a comédia que nos faz rir da nossa própria desgraça, o drama que nos faz sentir o peso das escolhas, e o romance que nos lembra que, não importa a idade, o coração continua sendo um território indomável.
O filme não nos oferece respostas fáceis, nem um manual de como amar. Ao contrário, ele nos coloca diante da impermanência e da beleza crua das relações humanas. Veronesi nos mostra que o amor não tem uma única forma, uma única idade, uma única regra. Ele se manifesta no brilho dos olhos de quem descobre uma nova paixão, na angústia de quem trai, na serenidade de quem reencontra um sentido na maturidade.
Em 2025, revendo As Idades do Amor, percebo que sua força reside na sua capacidade de ressoar com as nossas próprias experiências. Quem nunca se viu dividido entre o que deve ser e o que o coração grita? Quem nunca se sentiu perdido em um casamento, buscando uma fagulha, ou, ao contrário, reencontrando a alegria de viver em um estágio que antes parecia ser de calmaria? O filme é um lembrete agridoce de que o amor é essa constante, essa força que nos move, nos consome e nos redefine, não importa quantas primaveras, verões, outonos ou invernos tenhamos visto. É uma ode à complexidade do sentir, e um convite irrecusável a viver, e amar, em todas as nossas idades.




