Dez anos, veja só você, dez anos já se foram desde que Babilônia desembarcou nas nossas telas. E, honestamente, é preciso um pouco de coragem para revisitar certas memórias televisivas, não é mesmo? Algumas séries, a gente guarda no coração como um tesouro; outras, bem, elas nos fazem questionar o que de fato ficou para trás. Mas Babilônia, ah, essa me provoca uma curiosidade diferente, quase uma urgência em desvendá-la de novo, agora com a distância que só o tempo nos dá. Afinal, por que uma trama com o DNA de Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga – um trio que, sozinho, já é sinônimo de boa novela – gerou tantos burburinhos e reações tão polarizadas? Essa é a pergunta que me move a mergulhar de novo na babel carioca que foi essa série.
Lembro-me claramente do burburinho inicial, da expectativa que pairava no ar. A sinopse prometia um embate de titãs, um jogo de poder e chantagem que se desenrolava no Leme, aquele pedaço tão particular do Rio de Janeiro onde o luxo e a simplicidade se roçam nas calçadas, um verdadeiro caldeirão de contrastes. E a série entregou isso, e como entregou! No centro desse furacão, três mulheres, cada qual um universo em si.
Comecemos por ela, a matriarca da crueldade chique, Beatriz Marcondes Amaral Rangel, nas mãos cirúrgicas de Glória Pires. Beatriz não é apenas uma vilã; ela é a personificação da ambição desmedida, do privilégio que se transformou em licença para destruir. Ela usa sua sensualidade não como um adereço, mas como uma arma afiada, um bisturi para dissecar as fraquezas alheias e moldar o mundo à sua vontade. Quando você via Glória Pires em cena, não precisava de diálogo para entender a frieza. Bastava um olhar, um meio sorriso que nunca chegava aos olhos, a forma como ela se movia, com uma elegância letal, para saber que o ar ao redor dela se condensava em puro veneno. Ela não tremia as mãos de nervosismo; ela era o próprio nervosismo que fazia os outros tremerem.
Do outro lado do ringue, com uma sede de poder talvez ainda mais visceral por não ter nascido em berço de ouro, vinha Inês Ferraz Junqueira, interpretada por Adriana Esteves. Se Beatriz era a serpente astuta que envenenava por prazer, Inês era a víbora que picava por sobrevivência, por uma fome ancestral de ascensão. A performance de Adriana Esteves aqui foi um espetáculo à parte. Ela tecia a teia da inveja e da obsessão com uma intensidade que chegava a doer. Você podia quase sentir a amargura de Inês, a frustração de uma vida que ela achava que merecia mais. Era o contraste perfeito: o veneno refinado de Beatriz contra o veneno rasteiro e desesperado de Inês. E quando essas duas se encontravam, a tela faiscava. Era como assistir a dois predadores de espécies diferentes, mas com a mesma intenção, disputando a presa mais suculenta – no caso, poder e o domínio sobre vidas.
| Atributo | Detalhe |
|---|---|
| Criadores | Gilberto Braga, Ricardo Linhares, João Ximenes Braga |
| Diretores | Cristiano Marques, Luisa Lima, Pedro Peregrino, Giovanna Machline, Maria de Médicis, Vinicius Coimbra |
| Roteiristas | Gilberto Braga, Ricardo Linhares, João Ximenes Braga |
| Elenco Principal | Glória Pires, Adriana Esteves, Camila Pitanga, Thiago Fragoso, Bruno Gagliasso |
| Gênero | Soap, Drama, Crime, Comédia |
| Ano de Lançamento | 2015 |
E para balancear essa balança tão pesada de malícia, tínhamos Regina Rocha, a heroína, a bússola moral da história, vivida por Camila Pitanga. Regina era o contraponto necessário, o lembrete de que, sim, ainda existem caminhos éticos para conquistar os sonhos. Sua jornada era a promessa de que é possível construir sem demolir, de que a bondade, mesmo que testada ao limite, pode prevalecer. Camila Pitanga trouxe uma força tranquila e uma resiliência palpável para a personagem. Ela não era uma heroína ingênua; ela era uma mulher que entendia a dureza da vida, mas se recusava a se deixar corromper por ela. A sua presença, muitas vezes, era o sopro de ar fresco em meio à atmosfera carregada de chantagem e intriga.
A genialidade dos criadores – Braga, Linhares, Ximenes – reside justamente nessa capacidade de criar personagens tão complexos e emaranhados, que até mesmo os ditos “vilões” despertam um fio de compreensão, se não empatia. O crime que entrelaça as vidas de Beatriz e Inês não é apenas um ponto de partida; ele é o motor que as impulsiona para um jogo de xadrez em que cada movimento é calculado para destruir o adversário, com a chantagem funcionando como o rei que ambas tentam proteger e atacar.
E como se encaixa a comédia em meio a tanto drama e crime? Não é a risada escancarada, mas o humor ácido, a ironia que emerge das situações absurdas que só a vida real – ou uma boa novela – pode proporcionar. Aqueles pequenos momentos de alívio que nos lembram da capacidade humana de rir até mesmo quando o chão parece ruir.
Olhando para trás, em 2025, a complexidade de Babilônia talvez seja ainda mais evidente. Os debates que ela gerou em 2015, as controvérsias, o fato de ter ousado tocar em feridas sociais e comportamentais de uma forma que talvez o público não estivesse inteiramente pronto para digerir na época, tudo isso contribui para que hoje a gente a enxergue com outros olhos. É uma série que te convida a pensar, a debater sobre moralidade, ambição, e até onde o ser humano é capaz de ir por aquilo que deseja.
Os diretores, Cristiano Marques, Luisa Lima, Pedro Peregrino, Giovanna Machline, Maria de Médicis e Vinicius Coimbra, orquestraram essa sinfonia de emoções com maestria. Cada cena era um quadro, cada olhar, um universo. O Leme não era apenas um cenário; era o pulso da história, com sua praia, seus prédios antigos e modernos, suas pessoas de todas as classes sociais, todas elas, de alguma forma, participando da grande babel carioca.
No fim das contas, Babilônia é mais do que uma série de TV; é um espelho. Um espelho que nos força a confrontar as facetas mais obscuras da natureza humana e, ao mesmo tempo, a celebrar a resiliência e a capacidade de superação. Ela pode não ter sido um conto de fadas, mas, tá, quem disse que a vida real precisa ser? Para mim, revisitar Babilônia é revisitar uma parte importante da nossa dramaturgia, e entender que nem todo “final feliz” vem fácil, ou sequer é o que a gente espera. E talvez seja exatamente isso que a torna tão fascinante, mesmo uma década depois.




