Você se lembra daquele tempo? Aquele em que as paredes da sua casa se tornaram seu universo, as telas, suas janelas, e a conexão digital, seu único cordão umbilical com o mundo exterior. Eu me pego, vira e mexe, revisitando essa época estranha, quase um limbo, e é exatamente por isso que Cam Girls: Garotas da Web me chamou a atenção – não apenas pelo título, que já carrega uma provocação inerente, mas pela promessa de mergulhar nas entranhas de uma intimidade reinventada sob o jugo do isolamento.
A gente tende a pensar em romance como algo de contornos definidos, um par de almas buscando conexão, geralmente com final feliz e beijo na boca. Mas e se o romance for a busca incessante por si mesmo, por novas fronteiras do desejo, mesmo que isso signifique implodir velhas noções? Essa é a pergunta que “Cam Girls” parece sussurrar, um filme que te convida a espiar, quase com uma certa culpa, as vidas de Jenna, Kelly e Ness enquanto a pandemia as força para dentro de suas próprias cabeças e lares.
A história é simples na superfície, mas um labirinto por baixo: três amigas, isoladas, encontram consolo e, mais do que isso, um novo palco para suas fantasias e frustrações sexuais na vastidão da internet. As webcams, que antes eram meras ferramentas de trabalho ou chamadas familiares, transformam-se em portais. De repente, as discussões sobre o cotidiano chato e os parceiros distantes dão lugar a confissões picantes, a anseios que talvez nem elas soubessem que existiam.
E aí, a trama desabrocha para um território que muita gente ainda torce o nariz, mas que o filme aborda com uma curiosidade quase antropológica: swing, orgias virtuais, BDSM explorado à distância. Não é só sobre sexo, entende? É sobre a liberdade de experimentar sem a barreira física imediata, sobre a coragem de ser quem você deseja ser quando ninguém está realmente olhando, ou pelo menos, quando a distância da tela oferece um véu de segurança. Eu me pergunto: quantas de nós, ou de vocês, naquela época, não se pegaram fantasiando com algo diferente, com uma escapada mental, já que a física era impossível?
| Atributo | Detalhe |
|---|---|
| Diretores | Scott Chambers, Becca Hirani |
| Roteirista | Shannon Holiday |
| Produtores | Scott Chambers, Becca Hirani |
| Elenco Principal | Steve Aaron-Sipple, Abi Casson Thompson, Richard Kovacs, Kate Milner Evans, Antonia Johnstone, Mark Sears, Barbara Dabson, Sophia Melendez, Arabella Clarke, Aaron Mackenzie |
| Gênero | Romance |
| Ano de Lançamento | 2021 |
| Produtora | Proportion Productions |
A direção de Scott Chambers e Becca Hirani aqui é um ponto nevrálgico. Como você filma algo tão íntimo e virtual sem que pareça um mero compilado de chamadas de vídeo? Eles conseguem, de alguma forma, dar peso e textura a essas interações digitais. A câmera, muitas vezes, funciona como um olhar cúmplice, ora seguindo as expressões das personagens com uma intimidade crua, ora se afastando para mostrar o vazio de seus lares, contrastando com a efervescência de suas vidas online. Shannon Holiday, a roteirista, tem o desafio de tecer diálogos que soem naturais, vulneráveis e excitantes, e na maior parte do tempo, ela acerta em cheio. Há um realismo na forma como as conversas progridem, do receio inicial à ousadia desenfreada, que nos faz acreditar que estamos ouvindo amigos de verdade.
No centro de tudo, claro, está o elenco. Abi Casson Thompson como Jenna Pascal, Barbara Dabson como Kelly Childs e Sophia Melendez como Chanel (que imagino ser uma das três amigas, ou talvez uma figura central nesse novo universo delas) entregam performances que são um misto de vulnerabilidade e autodescoberta. O olhar de Jenna, por exemplo, muitas vezes começa com uma timidez quase palpável, que lentamente se transforma em uma chama de desejo e confiança. É lindo, e ao mesmo tempo um pouco assustador, testemunhar essa transformação. Elas não são bonecas de tela; são mulheres complexas, com medos e anseios que ressoam conosco. Os parceiros e figuras coadjuvantes nesse universo virtual, como Steven Perkins (Steve Aaron-Sipple) e BartyBoy (Richard Kovacs), funcionam como catalisadores, personificando as possibilidades e os riscos desse novo território.
Mas a grande questão, o cerne da narrativa, é o dilema que o filme nos joga: o que acontece quando o mundo real volta a girar? Quando as portas se abrem e os encontros presenciais se tornam uma opção novamente, será que esses desejos libertados no digital terão coragem de se manifestar no “mundo real”? Essa ambiguidade é a alma do filme e a razão pela qual o gênero “Romance” começa a fazer mais sentido. Não é um romance convencional, certamente não. É o romance da autodescoberta, da coragem de redefinir o que significa conexão, paixão e intimidade em um mundo em constante mutação.
Do ponto de vista de hoje, 30 de setembro de 2025, olhando para trás, para aquele 2021 e 2022 quando “Cam Girls” foi lançado, o filme é quase um documento cultural. Ele nos lembra de como a humanidade se adaptou, inventou e, por vezes, se reinventou em face de circunstâncias extremas. Cam Girls: Garotas da Web não é um filme para quem busca respostas fáceis ou um escapismo sem consequências. É para quem está disposto a questionar, a explorar os cantos mais obscuros e brilhantes da psique humana e a reconhecer que, às vezes, o maior ato de amor – e de romance – é para si mesmo. Deixa a gente com uma pulguinha atrás da orelha, né? E se a verdadeira intimidade estivesse esperando por nós do outro lado da webcam o tempo todo?




