Cisne Negro

Existem filmes que assistimos, apreciamos e, com o tempo, suas nuances se diluem em meio à vasta tapeçaria de memórias cinematográficas. E existem outros que, ah, esses ficam! Eles se agarram à nossa psique como um sonho febril, nos cutucando, nos desafiando, e vez ou outra, ressurgem em noites insones, exigindo uma revisitação. Para mim, Cisne Negro (Black Swan), lançado originalmente em 2010 e chegando ao Brasil em fevereiro de 2011, é visceralmente um desses. E não é por acaso que, mesmo em 2025, ele ainda pulsa tão forte em minha memória, compelindo-me a desdobrar suas camadas mais uma vez.

O que me puxa para Cisne Negro não é apenas a maestria técnica ou a atuação estonteante de Natalie Portman – que, convenhamos, é uma revelação que justifica a existência de qualquer prêmio cinematográfico. É a forma como o filme mergulha na alma humana, explorando os abismos da obsessão, da perfeição e da loucura, até que a linha entre a realidade e a fantasia se desintegre de um jeito quase… provocador. Darren Aronofsky, o diretor por trás de obras tão inquietantes quanto “Réquiem para um Sonho” e “Mãe!”, tem um talento peculiar para nos arrastar para as profundezas da psique de seus personagens, e aqui ele atinge uma nova e aterrorizante altura.

A trama, à primeira vista, parece simples: Nina Sayers (Natalie Portman) é uma bailarina clássica em Nova York, cuja vida é a própria personificação do ballet. Ela vive e respira a dança, mas sua perfeição técnica esconde uma fragilidade emocional. Quando Thomas Leroy (Vincent Cassel), o diretor artístico da companhia, decide montar “O Lago dos Cisnes” e busca uma nova estrela para o papel duplo da Rainha Cisne – o inocente Cisne Branco e o sedutor Cisne Negro –, Nina se vê na encruzilhada. Ela é o Cisne Branco perfeito, etérea, pura. Mas o Cisne Negro? Ah, esse exige uma ferocidade, uma sensualidade, uma entrega que Nina simplesmente não consegue acessar.

É aqui que Lily (Mila Kunis) entra em cena. A novata, livre, ousada, com uma presença quase selvagem, é tudo o que Nina não é. Lily é o Cisne Negro encarnado, e a rivalidade entre as duas floresce, não apenas nos ensaios, mas nas mentes perturbadas de Nina. O que começa como uma competição de palco se transmuta em uma amizade distorcida, um espelho para o lado obscuro que Nina desesperadamente tenta reprimir. E é essa dinâmica que acende a chama para o pesadelo psicológico que se segue.

AtributoDetalhe
DiretorDarren Aronofsky
RoteiristasAndres Heinz, John J. McLaughlin, Mark Heyman
ProdutoresJerry Fruchtman, Joseph P. Reidy, Rose Garnett, Brian Oliver, Mike Medavoy, Arnold Messer, Scott Franklin
Elenco PrincipalNatalie Portman, Mila Kunis, Vincent Cassel, Barbara Hershey, Winona Ryder
GêneroDrama, Thriller, Terror
Ano de Lançamento2010
ProdutorasFox Searchlight Pictures, Cross Creek Pictures, Protozoa Pictures, Phoenix Pictures, Dune Entertainment

Aronofsky, junto com os roteiristas Andres Heinz, John J. McLaughlin e Mark Heyman, nos apresenta não apenas um drama sobre ballet, mas um thriller psicológico com toques de terror que te deixam sem fôlego. O filme não nos conta que Nina está à beira de um colapso; ele nos mostra. Vemos em seus olhos arregalados, nos arranhões que ela faz em suas costas, na paranoia que a consome ao ver Lily em todos os lugares, nos delírios visuais e auditivos que se tornam sua nova realidade. Suas alucinações não são meros efeitos especiais; são manifestações palpáveis de sua mente doente, da pressão sufocante para alcançar uma perfeição inatingível e da repressão de seus próprios desejos.

Natalie Portman aqui não atua; ela se torna Nina Sayers. A dedicação física é evidente – os músculos tonificados, os pés marcados pelas sapatilhas de ponta, o sofrimento em cada movimento. Mas é a transformação interior que a eleva. Ela nos guia pela descida ao inferno pessoal de Nina com uma vulnerabilidade tão crua que chega a doer. É como assistir a uma delicada peça de porcelana se espatifar lentamente, caco por caco, enquanto você sabe que não há nada que possa fazer para impedir. A interpretação de Portman é um estudo sobre a obsessão, a loucura e a busca autodestrutiva pela arte.

E o elenco de apoio? Brilhante. Vincent Cassel como Thomas Leroy é magnético e manipulador, um catalisador para a metamorfose de Nina. Sua presença é ao mesmo tempo sedutora e ameaçadora. Mila Kunis entrega uma Lily que é a antítese perfeita de Nina, a tentação e a ameaça, um espelho que reflete as partes que Nina mais teme em si mesma. E como esquecer Barbara Hershey, a mãe controladora, Erica Sayers, que projeta suas próprias frustrações na filha, criando um ambiente sufocante que só alimenta a instabilidade de Nina? Ou Winona Ryder como Beth Macintyre, a “Cisne Moribundo”, que serve como um presságio assustador para o destino de Nina? Cada um desses personagens é uma peça crucial no tabuleiro de xadrez psicológico de Aronofsky.

Cisne Negro é uma obra complexa sobre dualidades: a luz e a sombra, a inocência e a depravação, a arte e a vida. A forma como o filme funde a performance no palco com a performance da vida de Nina é hipnotizante. A fronteira entre o que é ensaiado e o que é real se esvai, e nós, como espectadores, somos arrastados para essa confusão. Há momentos em que você se pergunta: “Isso realmente está acontecendo ou é tudo na cabeça dela?”. E a beleza (e o terror) está justamente na ambiguidade, em não nos dar respostas fáceis.

A direção de Aronofsky é intensa, suspenseful, quase claustrofóbica. Ele usa close-ups para nos prender na angústia de Nina, e a câmera muitas vezes parece uma entidade viva, dançando com os bailarinos ou espreitando nos cantos escuros. A trilha sonora, com suas variações distorcidas de Tchaikovsky, intensifica a atmosfera de medo e de inevitabilidade. É um filme que não se esquiva de ser agressivo, de nos confrontar com a feiura da doença mental e da autossabotagem.

Lembro-me de sair do cinema depois de assistir a Cisne Negro com uma sensação de exhilaration misturada com um estranho desconforto. Foi uma experiência visceral, quase catártica, mas também profundamente perturbadora. É o tipo de filme que nos força a confrontar o preço da perfeição, a natureza do sacrifício e até que ponto somos capazes de ir em busca de algo que nos consome por inteiro.

Cisne Negro não é um filme para se assistir de forma passiva. Ele te puxa para dentro, te desafia a sentir o desespero, o medo, a euforia e a dor de Nina. É um espelho que reflete nossas próprias inseguranças e obsessões. E é por isso que, do meu ponto de vista, ele transcende os gêneros de drama, thriller e terror para se tornar algo mais – uma meditação sombria e bela sobre a mente humana em sua forma mais frágil e mais feroz. É, sem dúvida, um dos grandes filmes da década passada e um que continuará a nos assombrar por muito e muito tempo. Afinal, quem pode esquecer a dança final, a imagem de Nina, ou seria o Cisne Negro, encontrando sua perfeição em um mar de sangue e luz? Um final que, para Nina, foi tudo.

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