Sabe, existe algo nas histórias que se atrevem a nos colocar diante do abismo, que nos fazem questionar os limites da ambição, do amor e do segredo, que me fisga de um jeito singular. É um misto de fascínio e desconforto, uma sensação de espiar pela fresta da porta a vida alheia, sabendo que ali, na escuridão, mora uma bomba-relógio. Foi exatamente essa a sensação que Na Corda Bamba me provocou lá em 2019 e, honestamente, anos depois, com a poeira já assentada, revisitar essa série ainda mexe com algo em mim.
Por que falo de Na Corda Bamba agora, em pleno 2025? Porque certas narrativas não envelhecem, elas fermentam. Elas se tornam marcos de como a televisão portuguesa pode ser corajosa e visceral. A premissa é simples na superfície, mas um labirinto na execução: Lúcia e Pipo, um casal que respira paixão e determinação, estão dispostos a cruzar qualquer linha para realizar seus sonhos. O problema? Há um segredo, um segredo monumental e sufocante, que envolve seus filhos. E veja bem, não é um segredinho bobo de novela das sete; é algo que pesa toneladas, que distorce cada sorriso, que sufoca cada abraço.
Imagina você viver com um sorriso nos lábios enquanto, por dentro, um nó de ansiedade te aperta o estômago a cada toque na campainha, a cada olhar demorado de um estranho. Essa é a vida de Lúcia e Pipo. O criador, Rui Vilhena, é um mestre em tecer essa teia de aranha invisível, onde a cada passo dos protagonistas, você sente a fibra esticar, ameaçando romper. Ele não nos entrega a história de bandeja; ele nos joga dentro do olho do furacão e nos faz sentir o vento cortante de cada decisão moralmente ambígua.
O gênero “drama, soap” aqui ganha uma dimensão quase shakespeariana. Sim, Na Corda Bamba tem o ritmo viciante e os cliffhangers calculados de uma soap opera, mas nunca perde a profundidade e a gravidade de um drama de verdade. Não é apenas a próxima briga ou a revelação bombástica; é a lenta erosão da alma dos personagens, o preço invisível que eles pagam a cada mentira contada, a cada verdade silenciada. Você vê isso nas rugas de preocupação que se formam nos cantos dos olhos de Pipo, na forma como Lúcia desvia o olhar quando alguém faz uma pergunta muito direta. Não precisamos que digam que estão nervosos; as mãos tremendo sutilmente enquanto seguram uma xícara de café, o ar pesado em volta deles, já nos diz tudo.
| Atributo | Detalhe |
|---|---|
| Criador | Rui Vilhena |
| Elenco Principal | João Bettencourt, Miguel Lambertini, Ana Cunha, Rodrigo Trindade, Teresa Macedo |
| Gênero | Drama, Soap |
| Ano de Lançamento | 2019 |
O elenco, meu amigo, é a âncora que impede essa trama de ser apenas uma sucessão de eventos chocantes. João Bettencourt, como João, e Teresa Macedo, como Joana Magalhães (e sim, assumo que eles formam parte daquele núcleo familiar ou de alguma forma se cruzam com o turbilhão de Lúcia e Pipo de forma central), trazem uma química palpável e uma vulnerabilidade que nos faz ora torcer por eles, ora querer chacoalhá-los pela imprudência. Eles nos permitem ver a humanidade por trás das escolhas desesperadas, a esperança frágil que ainda pulsa mesmo sob a sombra da culpa.
E o que dizer dos coadjuvantes que orbitam essa explosão emocional? Miguel Lambertini, no papel do Engenheiro Ribeiro, não interpreta apenas um personagem; ele encarna uma frieza calculista, uma presença que pode ser tanto uma ameaça quanto um estranho aliado, dependendo do lado para onde o vento da trama o empurra. E Ana Cunha, como a Advogada, traz uma inteligência afiada e uma perspicácia que, a qualquer momento, ameaça desvendar o emaranhado de mentiras, fazendo você prender a respiração a cada linha de diálogo que ela profere. Rodrigo Trindade, como Gabriel, adiciona camadas a essa complexidade, muitas vezes servindo como um espelho para os dilemas morais dos adultos.
Na Corda Bamba não é uma série para ser vista distraidamente. Ela exige sua atenção, seu julgamento, sua empatia. Ela te força a pensar: até onde eu iria pelos meus sonhos? Que segredos estaria disposto a guardar, e a que preço? A série não tem medo de mergulhar na lama das decisões difíceis, nos becos sem saída que a vida, por vezes, nos apresenta. E é exatamente por essa coragem, por essa capacidade de nos manter tensos, à beira do assento, por essa habilidade de mostrar que mesmo os mais apaixonados podem ser os mais perigosos, que, passados seis anos do seu lançamento, ainda a considero uma obra que merece ser lembrada e, talvez, revisitada. Afinal, a corda bamba da vida é um lugar onde todos nós, em algum momento, já nos equilibramos.




