Costa Brava, Lebanon

Ah, Costa Brava, Lebanon. Sabe, às vezes um filme se aninha na gente de um jeito que a gente mal percebe, e aí, de repente, ele se expande, toma conta dos pensamentos, e você se vê revirando memórias e sentimentos que nem sabia que estavam lá. Foi exatamente isso que aconteceu comigo depois de assistir a essa joia rara de Mounia Akl. Eu lembro que o burburinho sobre ele em 2022 já me pegou, com a promessa de uma história tão particular, tão enraizada na realidade libanesa, mas ao mesmo tempo tão universal em suas angústias. E, caramba, como a promessa foi cumprida.

O que me puxou para essa tela, para essa história, foi a própria ideia de utopia. Quem nunca sonhou em largar tudo, fugir do caos e construir seu próprio pequeno paraíso? Em Costa Brava, Lebanon, somos apresentados a Walid e Souraya, interpretados com uma intensidade quase palpável por Saleh Bakri e Nadine Labaki. Eles não só sonharam, como o fizeram. Cansados da asfixia tóxica de Beirute – e aqui a poluição não é só ambiental, mas uma metáfora para a crise política, social, econômica que permeia o país –, eles se isolam em uma casa nas montanhas. Uma casa que é, em si, um personagem: imaculada, moderna, rodeada por uma natureza que grita por paz. Um santuário que, a princípio, parece impenetrável.

Mas a vida, né? A vida tem uma forma bem peculiar de nos lembrar que não existem bolhas perfeitas. A direção de Mounia Akl, que também assina o roteiro ao lado de Clara Roquet, é de uma delicadeza e uma força impressionantes. Ela não nos joga o drama na cara; ela o tece, fio a fio, como uma aranha paciente. A gente sente a sujeira antes mesmo de vê-la. A gente percebe as fissuras na fachada da família muito antes de elas se tornarem abismos. Walid é o idealista ferrenho, o guardião dessa fortaleza de pureza, um homem que carrega o peso de uma convicção quase intransigente. Souraya, por outro lado, é a alma que respira o ar de fora, mesmo confinando. Ela é o contraponto, a que começa a questionar se o preço da utopia não é alto demais, se a liberdade não reside também na capacidade de lidar com a imperfeição.

E então, o lixo. Não apenas metafórico, mas físico. Uma lixeira governamental começa a ser construída perto da casa deles. Lentamente, inevitavelmente, o cheiro, os caminhões, a paisagem se transformam. É como uma gangrena ambiental que avança sobre a pele sã daquele sonho. Mounia Akl não precisa de grandes discursos para mostrar a tragédia: ela nos mostra as crianças, Tala (Nadia Charbel) e Rim (as talentosas Ceana e Geana Restom), cujos olhos refletem a confusão e a adaptação quase infantil a um mundo que os pais queriam esconder. A inocência delas se choca com a sujeira que avança, e esse contraste é de partir o coração. Aquele ar que era para ser puro, agora traz o odor da realidade que eles tanto tentaram escapar. Essa é a genialidade da narrativa: a poluição que eles fugiram não é um monstro distante; ela respira ao lado, quase dentro de casa.

AtributoDetalhe
DiretoraMounia Akl
RoteiristasMounia Akl, Clara Roquet
ProdutoresMyriam Sassine, Georges Schoucair, Tono Folguera
Elenco PrincipalNadine Labaki, Saleh Bakri, Nadia Charbel, Ceana Restom, Geana Restom
GêneroDrama
Ano de Lançamento2022
ProdutorasParticipant, Abbout Productions, Cinéma Defacto, Snowglobe, Fox in the Snow Films, Barentsfilm, Lastor Media, Boo Pictures, Gaïjin, Ginger Beirut Production

A performance de Nadine Labaki como Souraya é um espetáculo à parte. Ela não precisa de muitas palavras para nos comunicar a tormenta interna. Vemos em seu olhar a luta entre a lealdade ao marido e o crescente desespero, a vontade de proteger as filhas e o reconhecimento da inevitabilidade do mundo exterior. Saleh Bakri, como Walid, é o homem à beira de um precipício, agarrando-se a um ideal que se desfaz entre seus dedos. A tensão entre eles não é explícita em gritos constantes, mas em silêncios cortantes, em olhares que se desviam, em gestos que revelam a distância crescente entre suas visões de mundo. É um retrato íntimo e doloroso de como os ideais podem colidir com a brutalidade da existência.

A produção do filme – com uma miríade de produtoras como Participant, Abbout Productions e Cinéma Defacto – e a colaboração internacional por trás dele, sem dúvida, permitiram que Mounia Akl contasse essa história com a qualidade visual e narrativa que ela merecia. Cada plano é cuidadosamente composto para acentuar a beleza da casa e da paisagem, e depois, para destacar a intrusão grotesca do lixo. Há uma cena em particular, se bem me lembro, onde a luz do sol brilha sobre as montanhas, e em primeiro plano, uma pilha de resíduos já se eleva, uma espécie de cicatriz na paisagem. É um momento de silêncio ensurdecedor, que vale mais que mil palavras.

Costa Brava, Lebanon não é um filme que oferece respostas fáceis, e é exatamente por isso que ele é tão potente. Ele nos força a pensar: qual é o nosso papel diante do colapso ambiental e social? É possível, ou mesmo justo, tentar viver em uma bolha de privilégio enquanto o mundo ao redor desmorona? A utopia de Walid e Souraya se torna uma prisão dourada, e a ironia é que a verdadeira liberdade pode estar em encarar a realidade de frente, em se sujar, em lutar por um futuro, não em fugir dele.

Três anos depois de seu lançamento, em 2022, a mensagem de Costa Brava, Lebanon continua a ressoar, talvez ainda mais forte. Ele não é apenas um drama familiar; é um espelho para a nossa própria condição, para a nossa busca por um lugar ao sol em um planeta que parece, a cada dia, mais e mais sufocado. É um filme que nos lembra que a verdadeira costa brava, a selvagem e indomável, não está apenas nas paisagens, mas na resiliência e na complexidade da alma humana quando confrontada com o inevitável. E por isso, essa história permanece comigo, um lembrete vívido de que a vida, assim como o lixo, tem seu próprio ritmo, e que, mais cedo ou mais tarde, ela sempre encontra um caminho para casa.

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