As paredes. Ah, as paredes. Poucas palavras carregam tanto peso e tanta ambiguidade, não é mesmo? Quando vi o título Cuatro paredes, uma faísca acendeu em mim. Pensei imediatamente: prisão ou santuário? Limite ou proteção? E, como um bom drama promete, o filme de Ibon Cormenzana não me deixou com uma resposta fácil, mas sim com uma miríade de perguntas que ainda ecoam na minha mente, mesmo meses depois do seu lançamento original.
Por que escrevo sobre ele hoje, 30 de setembro de 2025? Porque certas obras, como certas memórias, insistem em permanecer. Cuatro paredes é uma dessas insistências. É o tipo de filme que se aninha no peito, que te faz revisitar cantos escuros da sua própria experiência, sem ser melodramático, mas com uma honestidade brutal que desarma. É uma narrativa que respira e, por vezes, sufoca, tal qual a vida dentro de um espaço confinado – seja ele físico, emocional ou existencial.
E o coração dessa experiência, sem dúvida, é Sofía Otero. Lembro-me dela em “20.000 Espécies de Abelhas”, e aqui, como a pequena Sofía, ela confirma o que já sabíamos: estamos diante de uma força da natureza. Seus olhos, que transbordam uma inocência quase perturbadora, são janelas para um universo de sentimentos que poucos adultos conseguem expressar. Não é apenas a atuação; é uma presença. Ela não precisa de muitas falas para nos contar sua história. Basta vê-la se encolher num canto, ou a forma como seus ombros se contraem sob um peso invisível, para sentirmos a fragilidade e a resiliência que coexistem nela. Vemos o tremor sutil das suas mãos quando a tensão se adensa, o jeito como ela prende a respiração, como se o ar dentro daquelas quatro paredes fosse escasso. É ela quem nos guia por esse labirinto emocional.
Ao lado dela, Manuela Vellés, que também assina o roteiro – uma colaboração que me fascina, pois adiciona uma camada de profundidade e intimidade à construção dos personagens. Como Juana, Vellés entrega uma performance que é a outra face da moeda da fragilidade de Sofía. Juana, imagino, carrega o fardo da maternidade, da proteção, talvez da culpa. A interação entre elas não é apenas um diálogo de falas, mas de silêncios carregados, de olhares furtivos que dizem mais do que qualquer palavra. E o elenco de apoio, com Roberto Álamo, Elena Irueta e Ramón Barea, atua como as paredes em si: sustentando, mas também limitando, ecoando a tensão que permeia a narrativa. Eles não são meros figurantes; são elementos da arquitetura emocional do filme.
| Atributo | Detalhe | 
|---|---|
| Diretor | Ibon Cormenzana | 
| Roteiristas | Ibon Cormenzana, Roger Danès, Alfred Pérez-Fargas, Manuela Vellés | 
| Elenco Principal | Sofía Otero, Manuela Vellés, Julene Puente Nafarrate, Roberto Álamo, Elena Irueta, Ramón Barea | 
| Gênero | Drama | 
| Ano de Lançamento | 2025 | 
| Produtoras | Mundo Cero, Save the Children | 
Ibon Cormenzana, na direção, junto com Roger Danès e Alfred Pérez-Fargas no roteiro (além de Manuela Vellés, como mencionei), constrói um universo que é ao mesmo tempo claustrofóbico e infinitamente vasto. A câmera não apenas observa; ela participa. Ela se move com a lentidão de um segredo guardado, detém-se nos detalhes que revelam a verdade dos personagens. Não há pressa, não há atalhos. A narrativa nos convida a sentir o peso de cada dia, de cada decisão. E a presença de “Save the Children” como uma das produtoras não é um detalhe trivial. Ela reforça a suspeita de que, por trás da beleza sombria do drama, há uma crítica, um chamado à reflexão sobre a infância, a vulnerabilidade e o que realmente significa ter um lar. As quatro paredes podem ser o limite do mundo de uma criança, e o filme nos força a perguntar: o que acontece quando esse mundo é pequeno demais, ou perigoso demais?
O filme não te entrega respostas prontas. Ele é um convite à reflexão sobre as nossas próprias “quatro paredes” – aquelas que construímos em torno de nós mesmos, as que nos são impostas, e aquelas que, paradoxalmente, nos dão segurança. Ele explora a complexidade das relações humanas, a forma como os laços familiares podem ser tanto um porto seguro quanto uma âncora pesada. É um daqueles dramas que, em sua discrição, fala volumes sobre o custo da sobrevivência e a busca por um sopro de liberdade, mesmo que seja apenas dentro da própria mente.
Cuatro paredes não tenta ser um espetáculo grandioso. Sua grandiosidade reside na intimidade, na forma como ele se aproxima do espectador, sussurrando verdades desconfortáveis. É um filme que nos lembra que a vida é cheia de nuances, de contradições sutis, e que a maior força muitas vezes reside na capacidade de resistir, mesmo quando tudo parece estar desmoronando. Espero, sinceramente, que este filme encontre seu caminho até o Brasil, para que mais pessoas possam experimentar essa jornada intensa e profundamente humana. É uma daquelas obras que, bem, que a gente simplesmente não esquece. E não deveria.




