Sabe, quando Dahmer: Um Canibal Americano surgiu no catálogo da Netflix em 2022, confesso que senti um misto de repulsa e uma curiosidade quase mórbida. A gente sabe o que esperar de uma série sobre Jeffrey Dahmer, né? O nome já carrega um peso, uma sombra que assombra o imaginário coletivo. Mas, como crítico, e como alguém que busca entender as nuances mais sombrias da psique humana e os reflexos sociais que elas geram, eu precisava mergulhar nessa produção. E o que encontrei foi algo que me marcou profundamente, não só pela crueza dos fatos – que, vamos ser honestos, são por si só insuportáveis –, mas pela forma como a narrativa ousou ir além do simples retrato de um monstro.
Não consigo sequer começar a falar sobre essa série sem me curvar diante da performance de Evan Peters. O Oscar que muitos pediram para ele, e que eu também acho mais do que merecido, é o reconhecimento de uma entrega que transcende a atuação. Ele virou Dahmer. Não é uma imitação superficial; é uma incorporação que te faz questionar os limites da empatia e do horror. Aquele olhar vazio, a postura curvada, a voz monótona que escondia abismos de perturbação – tudo em Peters contribuía para uma representação que, paradoxalmente, trazia uma estranha humanidade ao desumano, sem jamais justificá-lo. Você via a escuridão, mas também os resquícios de uma pessoa, uma formação, um caminho desviado. É uma atuação que te gruda na poltrona e te faz sentir um frio na espinha, sem precisar de artifícios baratos. É o tipo de performance que te persegue depois que a tela escurece.
Mas seria injusto reduzir o impacto de Dahmer: Um Canibal Americano apenas a Peters. O elenco de apoio é a espinha dorsal que nos ancora na realidade e nas consequências desses crimes hediondos. Richard Jenkins, como Lionel Dahmer, o pai, é um espetáculo à parte de dor, culpa e uma negação dilacerante. A forma como ele lida com a descoberta da natureza depravada do filho nos força a olhar para a complexidade da responsabilidade parental num cenário impensável. É uma performance que ecoa a pergunta: o que eu faria? O que poderia ter sido feito? E Niecy Nash-Betts, como Glenda Cleveland, a vizinha que tentou, insistentemente, alertar as autoridades, é a voz da razão, da indignação, da impotência diante da falha sistêmica. Ela personifica a frustração e o descaso, mostrando que os crimes de Dahmer não foram apenas falhas individuais, mas também falhas de uma sociedade, da polícia, dos preconceitos que cegaram as instituições. Ela é a heroína trágica que a série merecia. Molly Ringwald e Michael Learned, como Shari e Catherine Dahmer, completam o quadro familiar com atuações que, apesar de mais contidas, transmitem o choque e a vergonha inescapáveis.
Ryan Murphy e Ian Brennan, os criadores, já têm um estilo que a gente reconhece de longe, muitas vezes beirando o grandioso. Mas aqui, eles souberam dosar o espetáculo com uma sobriedade quase dolorosa, necessária para um tema tão delicado. A produção da Ryan Murphy Television e Prospect Films conseguiu criar uma atmosfera sufocante, detalhando o modus operandi de Dahmer – desde a drogagem e estupro até os atos de canibalismo – sem ser gratuita, mas sem poupar o espectador do horror intrínseco. É um balé macabro entre a exploração psicológica do assassino e o impacto devastador sobre as 17 vidas que ele tirou e as famílias que ele destruiu. A série faz um esforço notável para dar voz, mesmo que pós-mortem, às vítimas e seus familiares, um ponto crucial para evitar a glorificação do criminoso.
| Atributo | Detalhe |
|---|---|
| Criadores | Ryan Murphy, Ian Brennan |
| Produtores | Reilly Smith, Todd Nenninger, Lou Eyrich, Todd Kubrak, Regis Kimble, Richard Jenkins |
| Elenco Principal | Evan Peters, Richard Jenkins, Molly Ringwald, Michael Learned, Niecy Nash-Betts |
| Gênero | Drama, Crime |
| Ano de Lançamento | 2022 |
| Produtoras | Ryan Murphy Television, Prospect Films |
É impossível assistir a ‘Dahmer’ sem pensar nas famílias das vítimas. A gente se pergunta: é certo revisitar essa dor? É ético? A série, a meu ver, não se furta a essa discussão. Ela não apenas expõe os crimes, mas também o racismo e a homofobia internalizada que, lamentavelmente, contribuíram para a inação da polícia e para que Jeffrey Dahmer continuasse sua barbárie por tanto tempo. Em 2022, quando foi lançada, e hoje, em 2025, essa discussão continua tão relevante quanto antes. Dahmer: Um Canibal Americano não é um programa para ser assistido levianamente. É uma experiência densa, perturbadora, mas que, através de um drama criminal de alta qualidade, nos força a confrontar verdades desconfortáveis sobre a natureza humana e a responsabilidade social. E, por isso, acho que vale a pena o mergulho, mesmo que a água seja gelada e profunda.




