Sabe, de vez em quando, a gente esbarra em um filme que, de longe, parece uma daquelas historinhas açucaradas, bonitinhas, mas sem muito o que mastigar. E aí, quando você senta, se entrega, percebe que a coisa é bem mais complexa, que tem camadas, dores e risadas que ecoam na sua própria vivência. É exatamente assim que Em Todas as Partes me pegou, quase dois anos depois da sua estreia em terras brasileiras, lá em fevereiro de 2023. Por que diabos eu ainda estaria falando de um filme mexicano de comédia dramática agora, em outubro de 2025? Simples: porque ele tem o raro poder de se colar na memória afetiva, de mexer com algo que, sejamos sinceros, quase todo mundo carrega: as pontes quebradas e os sonhos adiados que envolvem a família.
A premissa, você já deve saber, é dessas que te convida à estrada: um casal de irmãos, Lucho (Mauricio Ochmann) e Gabriela (Ana Serradilla), separados por mais de uma década e por algum motivo nebuloso no passado, decidem resgatar uma promessa de infância: uma viagem de moto pelo México. Ah, o México! Não é apenas um pano de fundo, é um personagem vibrante, pulsando com suas paisagens poeirentas e ensolaradas, as cores fortes, o cheiro de comida de rua e a liberdade que só o vento no rosto de uma moto pode trazer. Mas não se engane, essa não é uma jornada só para os olhos. É uma descida – ou seria uma subida? – às profundezas das relações familiares, um reencontro com fantasmas e, quem sabe, um abraço de perdão.
Eu, particularmente, tenho um fraco por histórias de reconciliação. Elas me lembram que a vida não é um roteiro linear, que as pessoas mudam, os ressentimentos podem ser dissolvidos e que o amor, às vezes, só precisa de uma faísca – ou de uma viagem de moto inteira – para reacender. Em Todas as Partes faz isso com uma honestidade que desarma. O Pedro Pablo Ibarra, na direção, e a Adriana Pelusi, no roteiro, parecem entender que a complexidade da vida se revela nos pequenos gestos, nos olhares desviados, nas pausas incômodas do diálogo. Eles não se apressam em resolver os conflitos; eles os deixam borbulhar sob a superfície, enquanto Lucho e Gabriela devoram quilômetros e, aos poucos, vão mastigando as mágoas.
Mauricio Ochmann, como Lucho, entrega uma performance que é um misto de casca grossa e uma vulnerabilidade quase infantil. Você vê a rigidez em seus ombros, a defensiva em seus olhos, mas também o anseio por se reconectar, a dor de algo que se perdeu. Ele não precisa de grandes monólogos para te contar a história de seu personagem; basta vê-lo segurando o guidão, a expressão que se suaviza quando Gabriela solta uma risada inesperada. E Ana Serradilla? Ah, Ana é Gabriela em carne e osso. Ela traz uma doçura ferida, uma força que teima em se manter em pé apesar dos tombos emocionais. A forma como ela oscila entre a teimosia e a entrega, a raiva e a ternura, é um espetáculo à parte. A química entre os dois? É o motor dessa viagem. Você sente a década de silêncio, o peso das palavras não ditas, mas também a inegável ligação que nem o tempo, nem os desentendimentos conseguiram apagar por completo. É como observar um cabo de guerra emocional, onde cada puxada revela um pedaço de história.
| Atributo | Detalhe |
|---|---|
| Diretor | Pedro Pablo Ibarra |
| Roteirista | Adriana Pelusi |
| Elenco Principal | Mauricio Ochmann, Ana Serradilla, David Chocarro, Diana Bovio, Irán Castillo |
| Gênero | Comédia, Drama |
| Ano de Lançamento | 2023 |
| Produtoras | Born Free Producciones, Feel Good Films, Itaca Films, SP International Pictures |
E a comédia? Ela não é jogada ali de qualquer jeito, para aliviar a tensão. Ela nasce das situações, dos desentendimentos triviais que escalam para algo maior, da excentricidade das pessoas que encontram pelo caminho, como os personagens de David Chocarro (Lalo) e Diana Bovio (Tania), que adicionam camadas de humor e de reflexão sobre o que é o amor e a liberdade. A comédia aqui é um respiro necessário, um lembrete de que, mesmo nas jornadas mais difíceis, a vida encontra um jeito de nos fazer sorrir. E a Irán Castillo, como Elena, adiciona uma dimensão extra, pontuando a narrativa com a perspectiva do passado e das escolhas que moldaram os irmãos.
O que eu levo de Em Todas as Partes, depois de todo esse tempo, não é a lembrança de um plot twist chocante ou de uma reviravolta mirabolante. É a sensação de que vi um pedaço da vida real ser desdobrado na tela, com todas as suas imperfeições e belezas. É a crença de que vale a pena tentar curar as feridas, de que a estrada para a reconciliação é muitas vezes mais longa e sinuosa do que imaginamos, mas que a chegada, ah, a chegada pode ser um abraço que vale uma vida. Este filme é um convite a olhar para as nossas próprias “partes” que talvez estejam um pouco desgarradas, e pensar se não é hora de embarcar em nossa própria viagem, seja ela em duas rodas ou apenas no silêncio de uma conversa sincera. Porque, no fim das contas, estar ‘em todas as partes’ é, muitas vezes, apenas tentar estar presente, de corpo e alma, onde mais importa.




