Enxame

Ah, Enxame… Um título que, à primeira vista, pode evocar um thriller de suspense ou um desastre natural apocalíptico. Mas permita-me dizer, caro leitor, que mergulhar nesta joia cinematográfica basca é como abrir uma caixa de Pandora recheada de risadas nervosas, verdades nuas e cruas e um tipo de caos que só a amizade verdadeira pode gerar. Por que estou eu aqui, hoje, em 2025, ainda a pensar neste filme de 2020? Porque algumas histórias se fixam na alma, não pela grandiosidade de seus efeitos especiais, mas pela humanidade palpável de seus personagens.

O filme de Mireia Gabilondo e Kepa Errasti é um convite – ou talvez um empurrão gentil – para revistar aqueles laços que nos moldaram desde a infância. Seis amigas, um fim de semana numa casa de campo isolada para uma despedida de solteira. Parece a receita perfeita para uma comédia romântica açucarada, não é? Mas Enxame nos lembra que a doçura da amizade vem muitas vezes com a picada amarga das expectativas não ditas, dos ressentimentos guardados e daquela familiaridade que nos permite sermos a nossa versão mais autêntica… e, por vezes, mais irritante.

Leire (Aitziber Garmendia), Garazi (Sara Cózar), Amaia (Naiara Arnedo), Maialen (Itziar Atienza) e Nerea (Getari Etxegarai) são mais do que meros nomes no elenco; elas são ecos de rostos que todos nós conhecemos, talvez até de nós mesmos. Você já esteve naquela roda de amigos de infância, onde as piadas internas voam soltas, mas também há um silêncio pesado quando certos tópicos vêm à tona? Enxame pega essa dinâmica e a joga numa panela de pressão com litros e litros de álcool. E é aí que a magia acontece, ou melhor, o desastre hilário se desenrola. As revelações, as confissões bêbadas e as farpas que antes eram veladas começam a emergir como bolhas num copo de champanhe esquecido. A direção de Gabilondo, com um toque sensível e ao mesmo tempo incisivo, nos permite espiar por trás das máscaras sociais que estas mulheres usam, até mesmo entre si.

Mas então, quando pensamos que já vimos o auge da explosão emocional, a natureza decide dar o seu próprio show. Um enxame de abelhas. Um mero detalhe na sinopse, mas um catalisador brilhante na trama. Pense comigo: o que acontece quando o caos externo invade um caos interno já estabelecido? As picadas das abelhas não são apenas físicas; elas se tornam metáforas perfeitas para as pequenas e grandes feridas que essas amigas infligem umas nas outras. O que era para ser uma celebração se transforma numa espécie de “sobrevivência da mais apta” – ou, neste caso, da mais honesta. É nesse ponto que a comédia se aprofunda, não em piadas baratas, mas na tragicomédia de situações extremas que revelam o caráter humano. Quem mantém a calma? Quem surta? Quem tenta proteger o grupo, e quem só pensa em si?

A Produtora Tentazioa Produkzioak, junto com Acrónica Producciones, Barton Films e EiTB, conseguiu criar algo genuinamente autêntico, com um sabor inegavelmente basco que adiciona uma camada extra de charme e especificidade cultural à universalidade da história. Não é apenas uma história sobre amigos se reencontrando; é uma história enraizada em um lugar, com nuances de um jeito de ser, de falar, de amar e de brigar. Os roteiristas Mireia Gabilondo e Kepa Errasti, com a sua caneta afiada, não apenas criaram diálogos; eles construíram pontes e abismos entre as personagens, tornando cada interação crível e vibrante. Você quase consegue sentir o formigamento nas pontas dos dedos de Leire, um reflexo da ansiedade que borbulha sob a superfície de seu sorriso, ou a amargura sutil nos olhos de Garazi quando uma verdade incômoda vem à tona.

Enxame não é o tipo de filme que te assombra com efeitos especiais, mas sim com a reverberação das suas próprias memórias de amizade. Ele nos lembra que as relações mais profundas são também as mais desafiadoras. Aquelas em que, por vezes, a linha entre o amor incondicional e a vontade de estrangular a pessoa com um sorriso é tênue. E, como um enxame de abelhas que se acalma depois de um ataque, o filme nos deixa com a sensação de que, mesmo após a tempestade de emoções e picadas, a essência do que realmente importa – a conexão humana – pode, sim, sobreviver.

Se você busca uma comédia que te faça rir não só das situações absurdas, mas também de si mesmo e da complexidade de seus próprios vínculos, Enxame é um lembrete valioso de que a vida, e a amizade, são selvagens, imprevisíveis e cheias de picadas… mas ainda assim, incrivelmente doces.