Excluídos

Existe uma fragilidade quase poética na forma como construímos nossas vidas, não é mesmo? Me pego pensando nisso com frequência, em como cada tijolo é colocado com a esperança de que resista ao vento, ao tempo, e, principalmente, às verdades inconvenientes. É essa reflexão que me puxa para escrever sobre Excluídos, um filme que, pra mim, não é só um thriller, mas um espelho incômodo das nossas próprias fachadas. O porquê de eu ter escolhido falar dele hoje, quase dois anos depois de seu lançamento, é simples: certas histórias se alojam na gente e insistem em reverberar, em ecoar cada vez que a gente se depara com a ideia de um “passado escondido”. E este filme, dirigido e escrito com uma precisão cirúrgica por Nathaniel Martello-White, faz exatamente isso. Ele não te abandona.

Neve, interpretada com uma tensão palpável por Ashley Madekwe, é o protótipo dessa construção meticulosa. Ela tem tudo: uma casa deslumbrante, um marido, Ian (Justin Salinger, com sua dose de complacência e desconforto), filhos, uma vida social invejável. A cena de abertura, ou talvez qualquer momento em que a câmera repousa sobre Neve, já nos diz que cada peça desse quebra-cabeça foi pensada, polida, e encaixada com uma diligência quase assustadora. Ela se move com a graça e a rigidez de alguém que nunca pode baixar a guarda, como uma estátua perfeita que, por dentro, está rachando. A casa dela não é apenas um lar; é uma fortaleza, um monumento ao seu próprio esforço de apagar o que veio antes.

Mas o que acontece quando o espelho se estilhaça? A sinopse nos avisa sobre a chegada de dois estranhos, Carl (Jorden Myrie) e Dione (Bukky Bakray), e é aí que a verdadeira magia sombria de Excluídos começa a operar. Eles não chegam com trombetas ou ameaças explícitas. Não, o impacto é muito mais insidioso, um sussurro persistente, um olhar trocado, uma presença incômoda que se recusa a ser ignorada. Martello-White nos mostra a trepidação de Neve não através de diálogos expositivos sobre seu medo, mas nos pequenos gestos: as mãos que se apertam sem razão, o olhar que desvia, a forma como ela tenta, desesperadamente, controlar cada interação, cada palavra, como se o controle fosse a única barreira entre ela e o abismo.

O filme é um estudo de personagem disfarçado de thriller. A tensão aqui não vem de sustos fáceis, mas de uma sensação crescente de mal-estar. É o tipo de suspense que se cola na sua pele e te faz querer coçar. Carl e Dione não são vilões unidimensionais; eles são catalisadores, personificações de um passado que Neve tentou varrer para debaixo do tapete mais caro que o privilégio pode comprar. Bukky Bakray, como Dione, em particular, entrega uma performance que é uma mistura tão potente de vulnerabilidade e desafio que você se pega questionando onde estão suas próprias lealdades. Eles são a memória que se recusa a ser esquecida, o nó na garganta que Neve engoliu por anos.

Atributo Detalhe
Diretor Nathaniel Martello-White
Roteirista Nathaniel Martello-White
Produtores Valentina Brazzini, Tristan Goligher, Rob Watson
Elenco Principal Ashley Madekwe, Justin Salinger, Jorden Myrie, Bukky Bakray, Samuel Paul Small
Gênero Thriller
Ano de Lançamento 2023
Produtoras Air Street Films, The Bureau

E o roteiro de Nathaniel Martello-White é um primor em “mostrar, não contar”. As conversas superficiais nas festas de Neve, os sorrisos forçados, o silêncio pesado entre ela e Ian – tudo isso revela as rachaduras na fundação de sua vida de privilégios. Você sente o peso das escolhas passadas de Neve, das renúncias, da dor que ela causou e da dor que ela carrega. A câmera, muitas vezes, paira em planos abertos, quase distantes, observando os personagens como peças em um tabuleiro, mas ao mesmo tempo nos aproxima da angústia interna de Neve, que se torna cada vez mais isolada dentro de sua própria perfeição. É como ver uma escultura se desintegrar em câmera lenta, um pedaço por pedaço, revelando o barro cru e imperfeito por baixo da pátina dourada.

A produção da Air Street Films e The Bureau entrega uma estética impecável, que contrasta perfeitamente com a feiura emocional que se desenrola. A fotografia é límpida, as cores são suaves, mas há algo de claustrofóbico em toda essa beleza artificial. É um lembrete constante de que o conforto pode ser uma gaiola dourada. E é esse contraste, essa dualidade entre o que se vê e o que se sente, que faz Excluídos ser mais do que um filme sobre segredos; é sobre a identidade, sobre quem somos quando tiramos as máscaras que usamos para o mundo, e, mais importante, para nós mesmos.

Excluídos me fez pensar em como o perdão – ou a falta dele – pode se manifestar de formas tão complexas. Não há respostas fáceis aqui, e é por isso que o filme continua a me intrigar. Ele não oferece um final arrumadinho, com todas as pontas amarradas. Ao invés disso, nos deixa com a sensação de que, não importa o quão longe a gente corra, não importa quantos castelos de cartas construamos, o passado tem uma maneira assustadora de encontrar o caminho de volta, de bater à nossa porta, não como um fantasma, mas como uma verdade crua e inegável que exige ser vista. E esse é o verdadeiro terror. Não o sobrenatural, mas o humano. É um filme que, dois anos depois, ainda me faz questionar: o que eu estaria disposto a fazer para proteger a vida que construí? E o que realmente significa ser livre de um passado que se recusa a ficar escondido?

Trailer

Oferta Especial Meli+

Assine o Meli+ e assista a Excluídos no Netflix (incluso na assinatura).

Você ainda ganha frete grátis no Mercado Livre, Deezer Premium e muito mais. *Benefícios sujeitos aos termos do Meli+.

Assinar Meli+