Extinção: Um Documentário que Assombra os Confins da História
Sete anos se passaram desde que Extinção estreou em 2018, e ainda hoje o filme me assombra. Não é um assombro de sustos baratos, mas sim uma inquietante reverberação das feridas abertas da história, um eco silencioso que ressoa nos corredores da burocracia e na geografia dilacerada das antigas repúblicas soviéticas. O longa-metragem de Salomé Lamas, um trabalho híbrido que dança entre documentário e ficção, nos leva à Transnístria, um território congelado no tempo, numa jornada que busca compreender a perda de identidade num mundo moldado por fronteiras arbitrárias.
A sinopse oficial descreve bem o cenário: a Transnístria, Estado não reconhecido que se separou da Moldávia em 1990, serve como pano de fundo para a história. Através dos olhos de Kolja Kravchenko, que interpreta a si mesmo, e da figura semi-ficcional de Christoph Both-Asmus, como “The Tree Walker”, assistimos a um retrato desolador da vida sob o peso da história, da burocracia opressiva e da estagnação. Mas Extinção não é apenas uma descrição geográfica ou política; é uma experiência sensorial, uma imersão numa atmosfera carregada de melancolia e desespero.
A direção de Salomé Lamas é impecável. Ela equilibra habilmente as diferentes camadas do filme – os momentos de observação documental com as sequências semi-ficcionais – criando um ritmo que nos prende do início ao fim. A fotografia, fria e quase onírica em certos momentos, reflete a atmosfera opressiva do local, contrastando com a beleza decadente da arquitetura soviética em ruínas. A decisão de incluir a personagem “The Tree Walker” foi, a meu ver, uma jogada brilhante: ele funciona como um observador estrangeiro, um catalisador que ajuda a destacar o drama humano no meio do caos político. A construção do roteiro é igualmente sofisticada; o minimalismo narrativo contribui para a construção lenta e eficaz da atmosfera, permitindo que as imagens e os silêncios falem mais do que mil palavras.
| Atributo | Detalhe |
|---|---|
| Diretora | Salomé Lamas |
| Roteirista | Salomé Lamas |
| Produtores | Cristina Almeida, Fabienne Martinot, Sofia Bénard, Michel Balagué, Eugénio Marques, Ariana Couvinha, Vera Amaro, Tiago Matos, Marcin Malaszczak, Paulo Américo, Miguel Nabinho, Miguel Martins, Luís Urbano, Sandro Aguilar, Salomé Lamas |
| Elenco Principal | Christoph Both-Asmus, Kolja Kravchenko |
| Gênero | Documentário, História |
| Ano de Lançamento | 2018 |
| Produtoras | Lamaland, Mengamuk Films, Walla Collective, Screen Miguel Nabinho, Bikini Films, O Som e a Fúria |
As atuações são igualmente convincentes. Kolja Kravchenko, interpretando a si mesmo, traz uma autenticidade comovente, transmitindo a sua dor e a angústia de sua geração. Christoph Both-Asmus, por sua vez, complementa a performance com uma naturalidade que dá veracidade à trama. É uma dupla que funciona em perfeita harmonia.
No entanto, não posso dizer que Extinção é um filme perfeito. Alguns momentos, embora poética e intencionalmente lentos, podem se tornar repetitivos para alguns espectadores. O estilo semi-documental, que busca a verdade através da subjetividade, pode não agradar a quem busca uma narrativa mais linear e explicativa. A fragmentação da narrativa, enquanto um recurso estilístico, também pode ser visto como um ponto fraco.
A mensagem do filme, no entanto, é inegável. Extinção não é apenas um filme sobre a Transnístria; é um filme sobre as cicatrizes da história, sobre a perda de identidade e sobre o peso da burocracia em nossas vidas. É um filme sobre como as fronteiras, sejam elas físicas ou políticas, moldam a nossa existência e muitas vezes nos aprisionam. A narrativa nos força a refletir sobre os custos da Guerra Fria e sobre as consequências duradouras dos conflitos congelados.
A recepção crítica do filme em 2018 foi, creio, de uma admiração contida. Muitos elogiaram a originalidade e a ousadia da abordagem de Lamas, mas outros criticaram o ritmo e a falta de uma conclusão clara e resolutiva – uma crítica que eu, sinceramente, considero parte do encanto e da força da obra. Afinal, a vida, e a história, raramente oferecem resoluções fáceis.
Em conclusão, Extinção é um filme desafiador, profundamente comovente e, por vezes, desconcertante. Recomendo-o a todos aqueles que apreciam documentários com uma abordagem cinematográfica ousada e uma reflexão profunda sobre a condição humana. É uma obra que permanece na memória muito depois de assistida, um filme que, sete anos depois da sua estreia, continua a me assombrar pela sua beleza melancólica e sua potência comovente. Se você busca entretenimento fácil e imediato, talvez Extinção não seja para você. Mas se você busca uma experiência cinematográfica que o faça pensar, sentir e refletir sobre o mundo, então não hesite em mergulhar na sua inquietante e fascinante atmosfera.




