Tem certas obras que se aninham na gente, não é? Daquelas que, não importa quantas vezes você revisite, parecem te encontrar num lugar diferente a cada vez. Feitiço do Tempo é, para mim, uma dessas raridades. Não se trata apenas de um filme; é quase um manual de como a vida funciona, ou de como deveria funcionar, embrulhado numa comédia que te faz rir e, de repente, pensar. E por que eu tô te falando isso hoje, em pleno 27 de setembro de 2025, tantos anos depois do seu lançamento em 1993, tanto aqui no Brasil quanto lá fora? Porque alguns feitiços, meu amigo, simplesmente não perdem a validade.
Sabe, eu me pego pensando sobre rotina. A gente acorda, faz as mesmas coisas, enfrenta os mesmos desafios, e muitas vezes se sente invisível, ou talvez até um pouco de saco cheio de tudo. Aí você encontra Phil Connors, o meteorologista interpretado por um Bill Murray no auge da sua persona cínica, e percebe que ele eleva essa sensação a um nível totalmente novo. Phil é, digamos, um poço de arrogância e egocentrismo. O tipo de cara que se importa com a previsão do tempo só na medida em que ela afeta a sua reputação, e com as pessoas… bem, com as pessoas, ele se importa quase nada.
Aí vem o Dia da Marmota, um feriado peculiar no inverno gelado da Pensilvânia, nos EUA. Phil odeia a cidade de Punxsutawney, odeia o evento, odeia tudo. E o universo, em sua infinita e por vezes irônica sabedoria, decide lhe dar uma lição bem à moda antiga: ele acorda. De novo. No mesmo dia. Dia 2 de fevereiro. O alarme toca, a mesma música irritante, o mesmo locutor. Um deja vu não, um loop temporal. Não é um dia, são infinitos “dias da marmota” se repetindo, como um disco arranhado que não sai da mesma canção.
O que se segue é uma das mais brilhantes explorações da condição humana que eu já vi no cinema. Phil, de início, surta. Quem não surtaria? Imagina poder fazer o que quiser sem consequências, porque amanhã (que na verdade é hoje de novo) ninguém vai se lembrar? Ele tenta o hedonismo, a depravação, até mesmo a autodestruição, numa série de cenas que poderiam ser puramente cômicas, mas que carregam um desespero palpável. A mente de Phil, antes tão voltada para si, é forçada a encarar um vazio existencial. Ele tá ali, no seu próprio limbo particular, um pesadelo de realismo mágico onde o tempo se dobra e se recusa a seguir em frente.
Atributo | Detalhe |
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Diretor | Harold Ramis |
Roteiristas | Danny Rubin, Harold Ramis |
Produtores | Harold Ramis, Trevor Albert |
Elenco Principal | Bill Murray, Andie MacDowell, Chris Elliott, Stephen Tobolowsky, Brian Doyle-Murray |
Gênero | Romance, Fantasia, Drama, Comédia |
Ano de Lançamento | 1993 |
Produtora | Columbia Pictures |
E é aí que a mágica de Harold Ramis na direção e o roteiro afiado de Danny Rubin e do próprio Ramis realmente brilham. Não é só um filme sobre um homem preso no tempo. É sobre o poder da transformação, sobre como pequenos gestos de gentileza podem reverberar, e como a busca por algo maior que você mesmo pode dar sentido à repetição incessante. Aos poucos, Phil começa a aprender. Tocar piano, esculpir no gelo, salvar pessoas, ouvir histórias, de fato, se importar com os “Larrys” e “Neds Ryerson” do mundo – ah, Ned Ryerson! Aquela praga insistente que o Bill Murray consegue transformar numa figura tão icônica.
A Andie MacDowell como Rita Hanson é o norte moral de Phil, a âncora que ele não percebe que precisa. Ela é a bondade, a inteligência, o calor humano que ele tanto despreza no começo, mas que se torna seu objeto de desejo e, mais importante, de inspiração. A química entre Murray e MacDowell não é daquelas explosivas, mas é construída com uma delicadeza que te faz torcer por Phil, mesmo depois de todas as suas palhaçadas. Você vê a Rita rindo das piadas dele, a Rita que não sabe de nada sobre o loop, mas que, de alguma forma, enxerga um vislumbre da pessoa decente que Phil poderia ser. É um romance que floresce na adversidade mais fantástica possível.
Alguns críticos da época, talvez, não tenham captado a profundidade por trás da piada. Aquele trecho que diz “It is good enough and with a moral for the family but I don’t get it what this is such a famous movie” mostra bem isso. Mas é justamente essa sua capacidade de ser divertido e profundo ao mesmo tempo que o torna tão especial. A gente pode assistir de novo e de novo, como diz a outra crítica, e se perguntar: o que eu faria nessa situação? Será que eu usaria o tempo para o bem ou para a pura bagunça?
Hoje, quase 32 anos depois de sua estreia, Feitiço do Tempo continua a ser um farol para quem busca significado na rotina. É uma comédia romântica com um coração dramático e uma dose de fantasia que te faz refletir sobre o existencialismo sem nunca pesar demais. Ele nos lembra que, mesmo quando a vida parece se repetir, cada “hoje” é uma nova chance de ser um pouco melhor, um pouco mais gentil, um pouco mais humano. E isso, meu amigo, é um feitiço que vale a pena revisitar sempre.