Nove anos. Nove anos se passaram desde que Festa da Salsicha invadiu as telas e, ainda hoje, me pego pensando na audácia, na irreverência e, sejamos francos, na completa e deliciosa insanidade daquela empreitada. Como crítico, ou talvez, como um eterno curioso da sétima arte que sou, sempre me atraiu aquilo que desafia as convenções, que ousa ser diferente. E, meu caro leitor, diferente é um eufemismo para o que Greg Tiernan e Conrad Vernon, sob a batuta criativa de Seth Rogen e Evan Goldberg, nos entregaram em 2016.
A proposta de Festa da Salsicha é, no mínimo, brilhante em sua simplicidade subversiva: e se os alimentos que habitam as prateleiras de um supermercado tivessem vida, sentimentos e, mais importante, uma crença cega em um “Além” prometido, onde seriam levados por deuses gigantes (nós, humanos) para uma existência de pura felicidade? A parody é evidente, uma virada macabra em todo filme de animação com objetos anthropomorphismos que você já assistiu. Mas a doçura da premissa logo é substituída por uma realidade brutal: o que realmente acontece nas cozinhas das casas? A verdade é chocante, e é essa revelação que impulsiona a jornada existencial de Frank, a sausage heroica, dublada com a energia inconfundível do próprio Seth Rogen.
Você pode estar pensando: “Mais uma animação com voz de celebridade?”. Ah, mas este é um caso à parte. O elenco principal é uma constelação da comédia atual: Kristen Wiig como a pão de forma Brenda, Michael Cera como o inseguro Barry, Jonah Hill como Carl, e Bill Hader em múltiplos papéis hilários. O que eles trazem, no entanto, não é apenas o reconhecimento de suas vozes, mas a capacidade de improviso e a entrega a um material que, em mãos menos talentosas, poderia facilmente descambar para o vulgar gratuito. Eles infundem humanidade e vulnerabilidade em personagens que, afinal, são apenas food. Isso é um feito.
A Verdade Crua por Trás da Prateleira
Atributo | Detalhe |
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Diretores | Greg Tiernan, Conrad Vernon |
Roteiristas | Seth Rogen, Evan Goldberg, Ariel Shaffir, Kyle Hunter |
Produtores | Seth Rogen, Conrad Vernon, Megan Ellison, Evan Goldberg |
Elenco Principal | Seth Rogen, Kristen Wiig, Jonah Hill, Bill Hader, Michael Cera |
Gênero | Aventura, Animação, Comédia, Fantasia |
Ano de Lançamento | 2016 |
Produtoras | Columbia Pictures, Annapurna Pictures, Point Grey Pictures, Nitrogen Studios Canada |
O filme não tem medo de mergulhar de cabeça na crueza. Desde o minuto um, Festa da Salsicha se estabelece como uma adult animation, desprovida de quaisquer pudores. Cada corredor do grocery store se torna um palco para piadas que fariam a vovó corar, com trocadilhos sexuais tão óbvios quanto a forma fálica de Frank e Brenda, a bun. É uma comédia de humor negro que usa a inocência visual de seus personagens para amplificar o choque de sua linguagem e de suas situações. Aquele trailer “red band” que muitos viram na época já indicava o caminho, mas acredite, ele só arranhava a superfície do que o filme realmente oferece.
Mas por trás daquela avalanche de piadas de duplo sentido e cenas graficamente explícitas, Festa da Salsicha se atreve a questionar a própria fé, a esperança cega e o conformismo. É uma parábola sobre desilusão, sobre a descoberta de uma verdade brutal que destrói o paraíso prometido. Os alimentos acreditam fervorosamente em “Os Deuses” e no “Grande Além”, um lugar onde suas existências se completam. A revelação de que esse “Além” é, na verdade, um matadouro onde são abertos, cortados e cozidos, é um soco no estômago, um espelho ácido para nossas próprias crenças e o conforto que encontramos nelas. É uma crítica velada à religião organizada, à ignorância feliz e ao preço da verdade.
E a direção de Tiernan e Vernon, junto ao roteiro afiado de Rogen, Goldberg, Shaffir e Hunter, encontra um equilíbrio precário, mas eficaz, entre o riso e a reflexão. O ritmo é frenético, as piadas vêm em cascata, mas há momentos de genuína introspecção. O personagem de Barry, por exemplo, o salsicha menor e mais tímido, encontra sua força ao enfrentar a realidade e se torna um motor fundamental para a revolução. Mesmo o pedaço de gum mastigado, um sábio personagem à la Stephen Hawking, oferece insights existenciais, provando que até o mais insignificante item pode carregar peso filosófico.
Claro, sei que Festa da Salsicha não é para todos. A crítica da época foi dividida, como as citações de “★★ – Had some things that appeal to me, but a poor finished product” e “An uprising to liberate it the supermarket” bem demonstram. Ele provoca, ele ofende, ele te faz revirar os olhos em um momento e rir descontroladamente no outro. Sua culminação em uma cena de orgia de alimentos – a infame sex party – é o ponto sem retorno, o ápice da irreverência que, para alguns, cruzou a linha, e para outros, foi a coroação de sua audácia.
Desde seu lançamento em 2016, a paisagem da animação adulta não mudou drasticamente, mas Festa da Salsicha cravou seu nome como um marco singular. É um filme que, nove anos depois, ainda gera discussões, ainda desafia o que esperamos de um “desenho animado”. Não é um clássico no sentido tradicional, mas é, inegavelmente, um cult moderno. Uma experiência que, para o bem ou para o mal, fica grudada na memória, como um chiclete velho no cabelo. Se você tem estômago para o humor escatológico e a coragem para confrontar algumas verdades desconfortáveis sobre a vida, vista seu avental, pois esta festa é selvagem. E, acredite, você nunca mais verá seu carrinho de compras da mesma forma.