Ah, Frente à Frente. Um título que, por si só, já evoca a inevitabilidade de um embate, a colisão de forças antigas e feridas recentes. Quando penso em cinema de ação, especialmente naquele vindo de Hong Kong, uma faísca acende dentro de mim. É um gênero que moldou minha percepção do que é pura adrenalina e coreografia impecável, e poucas vezes, nos últimos anos, senti o peso e a glória dessa tradição como senti ao assistir a este filme.
É quase impossível falar de Frente à Frente sem uma pontada de melancolia. Lançado em 2021, ele não é apenas um espetáculo cinematográfico; é, também, o testamento final de um mestre, o derradeiro trabalho do diretor Benny Chan. Lembro-me claramente da notícia de sua partida. Para mim, e para muitos que apreciam a arte de filmar sequências de ação que parecem esculpidas em movimento, foi como perder uma referência, uma bússola. Ver Frente à Frente hoje, em 2025, é revisitar não só uma obra-prima, mas também prestar uma homenagem silenciosa a um legado que se encerrou de forma tão potente.
O filme nos joga sem cerimônia em um Hong Kong vibrante, pulsante, onde a linha entre a justiça e o caos é tênue como um fio de cabelo. Conhecemos Shan, interpretado com a gravidade e a experiência que só Donnie Yen consegue imprimir. Shan é um policial à moda antiga, um homem que acredita na lei e na ordem, respeitado por seus pares por sua integridade inabalável. Ele resolveu incontáveis casos, navegou por mares turbulentos e emergiu sempre com a búzia moral intacta. Mas, como bem sabemos, a vida tem uma maneira cruel de trazer o passado de volta à tona, não como um sussurro, mas como um estrondo.
E que estrondo é Ngo. Ah, Nicholas Tse como Ngo! É uma atuação que me deixou com um nó na garganta, uma performance que explode em fúria contida e desespero cru. Ngo não é um vilão de desenho animado; ele é um homem quebrado, uma alma dilacerada pela traição e pelo abandego. Ex-protegido de Shan, um policial promissor, ele viu sua vida virar de cabeça para baixo por um acidente, uma tragédia que o levou à prisão. Três anos de cadeia transformaram-no. Não em um homem reformado, mas em um demônio sedento por vingança, e Shan, seu antigo mentor, está no topo de sua lista.
Atributo | Detalhe |
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Diretor | 陳木勝 |
Roteiristas | 唐耀良, 陳木勝, 淩偉駿 |
Produtores | 陳木勝, Donnie Yen |
Elenco Principal | Donnie Yen, 謝霆鋒, 秦嵐, 呂良偉, 任達華 |
Gênero | Ação, Crime, Thriller, Aventura, Mistério |
Ano de Lançamento | 2021 |
Produtoras | Tencent Pictures, Super Bullet Pictures, Emperor Film Production, One Cool Films, Emperor Motion Pictures, Tianjin Maoyan Media |
É essa a espinha dorsal de Frente à Frente: a tragédia de dois homens em lados opostos de uma mesma moeda, unidos por um passado comum e separados por um abismo de ressentimento. Não é uma questão de “mocinho contra bandido” em sua forma mais simplista. É sobre o peso da responsabilidade, a corrosão da injustiça e a explosão incontrolável da retaliação. Benny Chan, juntamente com os roteiristas Tang Yiu-leung e Ling Wai-chun, não nos dá respostas fáceis. Eles nos obrigam a ponderar: até que ponto a busca por justiça pode se transformar em sua antítese mais selvagem? Onde termina a culpa e começa a loucura?
E, meu amigo, a ação! É aqui que o filme realmente eleva a barra. Não é uma coreografia artificial, encaixada entre diálogos expositivos. Não. Cada soco, cada chute, cada projétil disparado carrega um peso dramático, uma intensidade visceral que te faz sentir o impacto. Donnie Yen, como produtor ao lado de Benny Chan, e estrela principal, se joga de cabeça, e seu trabalho aqui é uma aula de como envelhecer com graça e ainda assim esbanjar poder. As cenas de luta corpo a corpo são brutais, sujas, claustrofóbicas – você quase pode sentir o cheiro de suor e pólvora. E Nicholas Tse? Ele é uma força da natureza, um redemoinho de agressão e desespero, entregando um dos melhores vilões do cinema de ação recente. Ele não apenas luta contra Shan; ele luta contra o mundo que o traiu.
A direção de Chan é uma orquestra de destruição e beleza. Ele alterna entre a grandiosidade de perseguições de carros pelas ruas de Hong Kong – que, por sinal, são um personagem à parte, um labirinto de luzes neon e becos escuros – e a intimidade claustrofóbica de tiroteios em shoppings. Não há um momento desperdiçado. O ritmo é implacável, como um martelo batendo em um bigorna, e cada batida ressoa com a crescente tensão entre Shan e Ngo.
As performances coadjuvantes, de Qin Lan como Ying e dos veteranos Ray Lui (Yiu-sir) e Simon Yam (SACP Lok), adicionam camadas de complexidade ao drama. Eles são os olhares externos, os que testemunham a espiral descendente desses dois homens, a tragédia que se desenrola diante de seus olhos. São peças importantes nesse intrincado quebra-cabeça de lealdades e traições.
Frente à Frente é uma experiência sensorial e emocional. É o cheiro de fumaça após uma explosão, o som seco de um osso quebrando, o arrepio que sobe pela espinha quando você percebe que não há saída fácil para nenhum dos personagens. É a vingança em sua forma mais crua e, paradoxalmente, em sua forma mais humana, pois nasce da dor e da desesperança.
Quatro anos se passaram desde seu lançamento original, e a força de Frente à Frente permanece intacta. É um lembrete vívido da maestria de Benny Chan, de sua habilidade em contar histórias intensas com uma linguagem visual impecável. É um filme que me faz pensar sobre justiça, sobre as cicatrizes que carregamos e sobre como, às vezes, as linhas entre heróis e vilões se tornam dolorosamente borradas. Se você, como eu, sente falta daquele cinema de ação com alma, com personagens complexos e sequências que te fazem prender a respiração, então você precisa revisitar Frente à Frente. É um adeus glorioso, um filme que sangra intensidade e paixão em cada fotograma. E, para mim, ele sempre ocupará um lugar especial.