Por que diabos eu ainda me pego, vez ou outra, com a mente em Amestris? Sabe, para quem, como eu, cresceu acompanhando as desventuras dos irmãos Elric, seja nas páginas do mangá ou nas incontáveis horas de anime, a ideia de uma adaptação live-action sempre veio com aquela mistura agridoce de excitação e um receio gelado. Seria possível capturar a alma de algo tão vasto e amado? Pois bem, “Fullmetal Alchemist: A Vingança de Scar”, lançado no Brasil em 2022, veio dois anos e alguns meses depois do seu original japonês, e hoje, quase três anos depois do seu lançamento nacional, ainda me faz pensar. E o porquê está justamente na audácia em mergulhar ainda mais fundo nesse universo complexo.
Primeiro, vamos ser honestos. Adaptar Fullmetal Alchemist é como tentar enquadrar um elefante em uma moldura de bolso. É gigantesco, cheio de camadas, com uma mitologia densa e personagens que respiram na memória coletiva. O primeiro filme já era um testemunho dessa dificuldade, mas tinha seus méritos. Esta sequência, dirigida novamente por 曽利文彦 e roteirizada por ele e 宮本武史, não se acovarda. Ela joga a gente direto na cara do perigo, apresentando não só um, mas O adversário mais icônico e moralmente ambíguo da saga: Scar.
A sinopse é direta: os irmãos Elric encontram seu oponente mais difícil, um assassino em série solitário com uma grande cicatriz na testa. Mas dizer isso é como descrever um oceano como “muita água”. Scar, interpretado com uma intensidade brutal por 新田真剣佑, não é um vilão genérico. Ele é uma ferida aberta, um “genocide survivor” que busca “revenge” contra o estado militar de Amestris, que ele culpa pela destruição de seu povo, os ishvalianos. Makkenyu entrega uma performance que é quase física em sua dor, seus olhos carregam a fúria e o luto de um homem que perdeu tudo. Cada golpe que ele desfere com seu braço alquimista destruidor é um grito de angústia, e cada “fight” contra ele não é apenas uma batalha, é um choque ideológico violento.
E os Elric? 山田涼介, como Edward, continua a trazer aquela mistura de arrogância juvenil e um coração enorme, enquanto 水石亜飛夢 dá voz e corpo a Alphonse, a âncora moral e o gigante de armadura que todos amamos. A “irmandade” entre eles é o motor inesgotável da série, e aqui, frente à ideologia de Scar, ela é testada de formas que os fazem questionar os limites de sua própria busca. Vemos Ed, com suas mãos dadas à alquimia e sua perna de automail, correndo, pulando, batendo, e a forma como a “alchemy” é renderizada – com aqueles círculos de transmutação brilhantes e a matéria se desfazendo e reformando – é visualmente impactante, um testemunho do investimento da Warner Bros. Japan, OXYBOT e das outras produtoras. Não é apenas CGI, é o peso de uma força mística que você sente tremer na tela.
| Atributo | Detalhe |
|---|---|
| Diretor | 曽利文彦 |
| Roteiristas | 曽利文彦, 宮本武史 |
| Produtora | 葭原弓子 |
| Elenco Principal | 山田涼介, 水石亜飛夢, 新田真剣佑, 本田翼, ディーン・フジオカ, 風吹ジュン, 藤木直人, 黒島結菜, 蓮佛美沙子, 舘ひろし |
| Gênero | Fantasia, Ação, Aventura |
| Ano de Lançamento | 2022 |
| Produtoras | Warner Bros. Japan, OXYBOT, Square Enix, J Storm, KDDI, Aniplex, Stardust Pictures, MBS |
A crítica do MovieGuys, falando sobre o “cyber punk style story” e o enredo “anything but linear”, captura algo essencial. FMA não é cyberpunk no sentido tradicional, mas há uma estética de máquinas a vapor, corpos cibernéticos e uma sociedade industrial-militar que pode evocar essa sensação. E, sim, a narrativa de “A Vingança de Scar” é uma teia complexa. Ela nos força a confrontar o passado horrível de Amestris, a hipocrisia de seus “soldiers”, a cumplicidade do “military”, e as cicatrizes – literais e metafóricas – que a guerra deixou. É um filme que usa seus elementos de “ação” e “aventura” para mascarar (ou realçar) discussões pesadas sobre moralidade, justiça e o ciclo interminável de ódio.
O elenco de apoio é a espinha dorsal que segura essa intrincada trama. ディーン・フジオカ como Roy Mustang e 蓮佛美沙子 como Riza Hawkeye entregam a frieza e a lealdade que esperamos da dupla. A presença de 舘ひろし como King Bradley é arrepiante, e ele exala a autoridade implacável do Führer, que esconde segredos ainda mais sombrios. E ver 本田翼 como Winry, a mecânica de coração gigante, e 風吹ジュン como Pinako e 藤木直人 como Yuriy Rockbell, nos conecta àquele pedaço de humanidade essencial que os Elric precisam. 黒島結菜, como Lan Fan, traz uma agilidade e uma lealdade ferozes, adicionando mais camadas de “fight” e estratégia.
O filme, de certa forma, funciona como uma ponte vital para quem busca continuar a jornada. Ele aprofunda os temas de “genocide”, as consequências da alquimia e o peso da verdade. A maneira como a câmera segue os movimentos rápidos de Ed, a forma como os golpes de Scar parecem estremecer o chão, ou como o cenário se desfaz e se reconstrói com a alquimia – tudo isso contribui para uma experiência imersiva que transcende a mera adaptação. Não é só uma “sequel”; é uma expansão que tenta fazer justiça a um dos arcos mais dolorosos e importantes da história original.
Três anos se passaram desde o seu lançamento no Brasil, e “A Vingança de Scar” ainda ressoa. Talvez não seja a adaptação perfeita que todos os fãs sonham – afinal, o que seria? –, mas é um esforço corajoso e, em muitos momentos, bem-sucedido, em trazer a profundidade e a intensidade de Fullmetal Alchemist para o formato live-action. É um filme que não tem medo de se sujar, de mostrar o lado feio da humanidade e de nos lembrar que a “revenge”, por mais compreensível que seja sua origem, muitas vezes só leva a mais dor. E por isso, por essa coragem e por me fazer revisitar o eterno questionamento sobre o que é certo e errado em um mundo manchado de sangue, eu ainda me pego pensando nele.




