Existe uma categoria de filmes que, para mim, opera num lugar muito particular do inconsciente cinematográfico: aqueles que prometem um pandemônio delicioso e entregam… bem, entregam quase isso. É tipo quando você morde um sanduíche que parece perfeito, mas falta aquele temperinho extra que o levaria de “bom” para “inesquecível”. Hoje, passados alguns anos desde seu lançamento em 2018, me peguei pensando em Gringo: Vivo ou Morto, e não é de todo ruim revisitar essas obras que vivem no limbo do “quase”. O que me puxa de volta a elas, invariavelmente, é a memória de uma ideia tão promissora que a gente não consegue esquecer.
O filme do Nash Edgerton (sim, irmão do Joel, que também tá no elenco) é, na superfície, um convite irrecusável ao caos. Pensa só: um sujeito adorável, Harold Soyinka, interpretado com uma vulnerabilidade quase palpável por David Oyelowo, leva uma vida que mais parece um cheque pré-datado: previsível, com data certa para vencer e, no caso dele, virar pó. Harold é o tipo de funcionário dedicado que a gente encontra em todo escritório, aquele que te pergunta como foi o fim de semana com a voz doce e os olhos cansados. Só que o fim de semana de Harold, e a vida dele, está prestes a implodir. Com a empresa à beira de uma fusão e uma demissão iminente no horizonte – algo que ele suspeita ser obra de seu chefe e “melhor amigo” Richard Rusk (Joel Edgerton) e da cínica sócia Elaine Markinson (Charlize Theron) –, ele chega a um ponto de desespero que o empurra para um plano tão mirabolante quanto ridículo.
É aí que a trama ganha ares de aventura de mau gosto. Durante uma viagem de negócios ao México, que já começa torta com a presença dos seus dois algozes, Harold vê a oportunidade de simular o próprio sequestro. A ideia? Extorquir um resgate polpudo da empresa, que, na cabeça dele, o dispensaria sem pestanejar. Você já percebe a catástrofe se desenhando, né? Porque, meu caro leitor, quando o universo conspira a seu favor, ele geralmente o faz de forma irônica. E o universo de Harold decidiu que a ironia seria um cartel de drogas real se interessando pelo seu “desaparecimento”. E, claro, tudo descamba para um verdadeiro tiroteio e uma série de desentendimentos que faria qualquer um arrancar os cabelos.
A beleza (e a frustração) de “Gringo” reside justamente nessa promessa de uma comédia de ação e crime que foge do controle. O elenco é um luxo: Oyelowo se esforça para nos fazer torcer por Harold, mesmo com todas as suas péssimas decisões. Joel Edgerton entrega um Richard Rusk que oscila entre o canalha charmoso e o completo pateta, enquanto Charlize Theron, com sua frieza calculista de Elaine Markinson, rouba a cena em cada aparição, mostrando que não está ali para brincadeiras. E aí entra Sharlto Copley como Mitch Rusk, o irmão de Richard, um mercenário com um coração (talvez) de ouro, que adiciona mais uma camada de imprevisibilidade à história. Sem esquecer de Amanda Seyfried, que aparece como Sunny, a peça chave em um relacionamento de namoro que se emaranha nessa teia criminosa, mostrando que os laços pessoais também podem ser ferramentas inesperadas no meio do caos.
Atributo | Detalhe |
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Diretor | Nash Edgerton |
Roteiristas | Matthew Stone, Anthony Tambakis |
Produtores | Anthony Tambakis, Charlize Theron, Rebecca Yeldham, Beth Kono, A.J. Dix, Nash Edgerton |
Elenco Principal | David Oyelowo, Joel Edgerton, Charlize Theron, Amanda Seyfried, Sharlto Copley |
Gênero | Comédia, Ação, Crime |
Ano de Lançamento | 2018 |
Produtoras | Denver & Delilah Productions, Amazon Studios, Picrow, STXfilms |
O que me intriga, e que talvez seja o calcanhar de Aquiles do filme, é a forma como ele tenta conciliar a comédia de erros com o lado sombrio do crime organizado. É como tentar dançar um tango e um samba ao mesmo tempo: os passos podem até ser ritmados, mas a melodia e o sentimento acabam se perdendo um pouco. Há momentos de risada genuína, especialmente nas reações desesperadas de Harold e na química agridoce entre os irmãos Rusk. Mas há também uma brutalidade que, por vezes, destoa do tom leve que a comédia tenta impor. A gente sente que o filme está o tempo todo tentando equilibrar a corda bamba entre o humor ácido e a ação crua, e nem sempre consegue. É um amontoado de situações que poderiam ter sido ouro em uma comédia de enganos, mas que, na execução, soam um pouco mais como prata, ainda que brilhante em alguns pontos.
Pensando agora, em 2025, naqueles filmes que a gente viu e que não necessariamente viraram clássicos, mas que deixaram uma impressão, “Gringo” se encaixa perfeitamente. Ele não é uma obra-prima de coesão, talvez não seja aquele filme que você lembra de cada diálogo, mas a premissa, o elenco e a coragem de misturar tantos elementos dispares ficam na memória. É um lembrete de que, às vezes, a audácia em tentar algo diferente já é, por si só, um mérito. E, para o público que busca uma sessão pipoca com um quê de anarquia e um protagonista que você não sabe se abraça ou dá um tapa, Gringo: Vivo ou Morto ainda pode ser uma viagem interessante – mesmo que o destino final não seja exatamente o paraíso prometido.