Existe algo irresistível em histórias de crimes que não nascem da maldade pura, mas da mais humana das desesperanças – ou, quem sabe, da mais teimosa das ambições. É por isso que, mesmo passados alguns anos desde seu lançamento original em 2019 e a chegada ao Brasil em 2022, Homens de Ouro (Golden Men) continua a remoer em meus pensamentos, como um daquelas pequenas pepitas de verdade que a gente encontra em meio à lama.
Sabe, eu adoro um bom filme de assalto. Não apenas pelo plano engenhoso ou pela adrenalina da execução, mas, principalmente, pelo “porquê” por trás dos rostos suados. E é justamente nesse terreno fértil que o filme de Vincenzo Alfieri finca suas raízes, em uma Turim de 1996 que, apesar de parecer distante, nos joga em um cenário que ecoa em qualquer esquina do mundo: a busca por uma vida melhor, mesmo que para isso seja preciso rasgar as regras do jogo.
A trama, inspirada em fatos reais, nos apresenta Luigi Meroni (um Giampaolo Morelli que captura a essência do “homem comum cansado”), um motorista de van de segurança dos correios que vê seu sonho de uma aposentadoria antecipada na Costa Rica desmoronar com uma nova lei. Já sentiu essa sensação? A de que o tapete foi puxado debaixo dos seus pés, justamente quando você pensava que estava a um passo da linha de chegada? Luigi, claro, sente. E a resposta dele não é lamentar, é planejar. Um roubo. O roubo perfeito, ele pensa.
Ele não está sozinho nessa jornada perigosa. Luciano Bodini (Giuseppe Ragone), seu amigo e colega de trabalho, é o primeiro a ser arrastado para a teia. Luciano, com sua lealdade oscilando entre o medo e a tentação, serve como o contraponto para a determinação de Luigi. Mas o coração, ou talvez o nervo central, dessa empreitada vem com a figura enigmática de Alvise Zago, interpretado com uma quietude inquietante por Fabio De Luigi. Alvise é o tipo de personagem que você não sabe se deve confiar ou temer; seus olhos carregam um peso, uma inteligência calculista que faz a gente questionar suas reais motivações. Ele não fala muito, mas cada gesto, cada olhar, parece esconder uma estratégia complexa.
| Atributo | Detalhe |
|---|---|
| Diretor | Vincenzo Alfieri |
| Roteiristas | Vincenzo Alfieri, Alessandro Aronadio, Renato Sannio, Giuseppe G. Stasi |
| Produtores | Federica Lucisano, Fulvio Lucisano |
| Elenco Principal | Fabio De Luigi, Edoardo Leo, Giampaolo Morelli, Giuseppe Ragone, Mariela Garriga, Matilde Gioli, Susy Laude, Gianmarco Tognazzi, Claudio Castrogiovanni, Chiara Cavaliere |
| Gênero | Crime, Drama |
| Ano de Lançamento | 2019 |
| Produtoras | Italian International Film, RAI Cinema |
O que me prende em Homens de Ouro não é só a engenhosidade do plano, que o diretor Alfieri e os roteiristas Vincenzo Alfieri, Alessandro Aronadio, Renato Sannio e Giuseppe G. Stasi constroem com uma precisão quase palpável. É a forma como o filme mergulha no gênero neo-noir, um dos meus favoritos, sem se prender aos clichês mais óbvios. Aqui, a escuridão não vem apenas das sombras nas ruas de Turim ou dos becos úmidos; ela emana da alma dos personagens. A luz da esperança, aquela Costa Rica paradisíaca que Luigi tanto sonha, se transforma em um farol traiçoeiro que atrai os homens para um abismo de ganância e paranoia.
A atuação é, sem dúvida, um dos pilares que sustentam essa narrativa. Morelli nos convence da exaustão de Luigi, daquele cansaço que vira combustível para a loucura. Edoardo Leo, como Il Lupo, um personagem que surge na periferia do crime, injeta uma dose de ameaça e imprevisibilidade que desestabiliza a já frágil aliança. E as mulheres, como Gina (Mariela Garriga) e Anna (Matilde Gioli), não são meros adereços; elas são forças que influenciam as decisões dos homens, adicionando camadas de drama pessoal e, sim, aquela pitada de perigo que tanto gostamos nos filmes noir. São elas que, por vezes, nos fazem questionar o que esses “homens de ouro” estão realmente buscando: uma vida de luxo ou apenas validações?
O ritmo do filme é algo a ser notado. Alfieri não tem pressa em expor todas as cartas. Ele nos permite respirar com os personagens, sentir o peso das escolhas, a tensão crescente. Há momentos de silêncio que falam mais alto que qualquer diálogo, quando a câmera se demora nos rostos, capturando a micro-expressão de um medo recém-descoberto ou de uma resolução endurecida. É uma dança entre a calma aparente e a tempestade iminente, que se intensifica à medida que o “trabalho fácil” se desfaz em um emaranhado de interesses pessoais e desconfiança mútua.
Em Homens de Ouro, a premissa de um roubo para garantir a aposentadoria se transforma em uma parábola sobre o custo da ambição desmedida. Será que existe um preço alto demais para a liberdade, para o sonho dourado? Ou será que, ao tentar controlar o futuro, acabamos por perder o presente e a nós mesmos? Essa é a pergunta que o filme nos deixa, ecoando muito depois dos créditos rolarem. Não é um filme que entrega respostas fáceis, e talvez seja por isso que me pego pensando nele de tempos em tempos. Ele nos lembra que a vida real, assim como os melhores dramas, é cheia de tons de cinza, onde heróis e vilões se confundem sob o mesmo sol, ou, nesse caso, sob as mesmas luzes frias de uma cidade italiana. Uma experiência que vale a pena, para quem, como eu, aprecia um crime que é, no fundo, um retrato da alma humana em sua mais complexa e vulnerável forma.




