Ilusões Perdidas

Existe uma categoria de filmes que, de tempos em tempos, me arrasta para a sala escura e me faz questionar tudo o que eu achava que sabia sobre o mundo – e sobre mim mesmo. Ilusões Perdidas (Lost Illusions), de Xavier Giannoli, é um desses. Não é só um filme; é um espelho gigantesco apontado para a alma humana, para aquela eterna batalha entre a pureza do ideal e a sujeira da realidade, uma batalha que, se você me perguntar, nunca realmente acaba. E é por isso que, três anos depois de sua estreia no Brasil, ainda sinto a urgência de falar sobre ele.

A trama nos joga na Paris do século XIX, uma cidade de contrastes gritantes, onde o cheiro de esgoto se misturava ao perfume das damas da alta sociedade, e o brilhantismo literário podia ser comprado e vendido como qualquer mercadoria. No centro desse turbilhão está Lucien de Rubempré, interpretado com uma mistura cativante de inocência e vulnerabilidade por Benjamin Voisin. Ele é um jovem poeta da província, com os olhos cheios de estrelas e a cabeça cheia de versos. Ele acredita no amor puro, na arte sublime, na capacidade de um homem forjar seu próprio destino. Ah, Lucien, como eu te entendo! Quem nunca chegou a uma grande cidade com a mochila nas costas e a alma transbordando de esperança, convencido de que o talento por si só abriria todas as portas?

Mas Paris, como bem sabemos, é uma amante cruel. Nos braços de sua protetora, Louise de Bargeton (uma elegante e complexa Cécile de France), Lucien entra nos salões onde a reputação é uma moeda mais valiosa que o ouro e, ao mesmo tempo, incrivelmente frágil. Giannoli não nos poupa dos bastidores desse mundo condenado à lei do lucro. Ele nos mostra, com uma riqueza de detalhes quase sensorial, como a literatura virou negócio, a imprensa virou manipulação, e até os sentimentos, ah, até os sentimentos eram artigos à venda. Não é à toa que Balzac, em sua obra original, chamou isso de uma “comédia humana”. É de chorar de rir, se não fosse tão dolorosamente real.

O que me prendeu do início ao fim foi a forma como o filme desenha essa descida. Não é uma queda abrupta, mas um escorregar gradual, sedutor, quase inevitável. Lucien, com seu charme e seu talento (sim, ele tinha talento!), é logo engolido pela máquina. Ele aprende a arte de adular, de atacar, de se reinventar. Vincent Lacoste, como o cínico e experiente Étienne Lousteau, é a personificação perfeita dessa transição: um jornalista que ensina Lucien os truques sujos do ofício, não por maldade, mas por sobrevivência. Você vê nos olhos de Lacoste a exaustão de quem já viu e fez de tudo, mas também uma ponta de melancolia por um ideal perdido há muito tempo. E Xavier Dolan, como Nathan d’Anastazio, nos apresenta um dramaturgo que é tanto um rival quanto um espelho para Lucien, refletindo as complexidades morais de um artista navegando águas turvas. É um deleite ver a sutileza com que esses personagens, com suas falas afiadas e olhares calculistas, revelam o caráter de um ambiente onde a verdade era opcional.

AtributoDetalhe
DiretorXavier Giannoli
RoteiristaYves Stavrides
ProdutoresSidonie Dumas, Olivier Delbosc
Elenco PrincipalBenjamin Voisin, Cécile de France, Vincent Lacoste, Xavier Dolan, Salomé Dewaels, Jeanne Balibar, André Marcon, Louis-Do de Lencquesaing, Gérard Depardieu, Jean-François Stévenin
GêneroDrama, Romance, História
Ano de Lançamento2021
ProdutorasCuriosa Films, France 3 Cinéma, Pictanovo, uMedia, Gaumont, Gabriel Inc.

A beleza visual do filme é um espetáculo à parte. A direção de arte nos transporta diretamente para a década de 1830 e 1840, com seus figurinos opulentos, os cafés esfumaçados, os teatros grandiosos e as ruas lamacentas de Paris. Dá para quase sentir o cheiro do carvão queimando, o tilintar dos copos de absinto, o sussurro das fofocas nos salões. Giannoli, com a fotografia de Christophe Beaucarne, cria uma atmosfera que é ao mesmo tempo deslumbrante e sufocante, refletindo o destino de Lucien. O ritmo é vertiginoso, como a ascensão e queda do próprio protagonista, com cortes rápidos que espelham a velocidade com que a vida pode mudar na capital francesa.

E as mulheres nesse cenário? Salomé Dewaels como Coralie, a atriz ambiciosa e apaixonada, é um sopro de ar fresco e, ao mesmo tempo, uma vítima de um sistema que as via como objetos. Sua relação com Lucien é um dos poucos momentos de genuína conexão, mesmo que também marcada pelas contingências financeiras e sociais. Jeanne Balibar, como a Marquise d’Espard, e até um breve mas impactante Gérard Depardieu como Dauriat, completam um elenco que parece ter sido talhado para Balzac, cada um em seu papel, uma peça fundamental nesse quebra-cabeça de ambição e desilusão.

Ilusões Perdidas não é um filme que te dá respostas fáceis. Ele te faz perguntas. Ele te confronta com a ideia de que o idealismo pode ser uma fraqueza em um mundo pragmático. Ele nos mostra que a linha entre a honestidade intelectual e a sobrevivência é, muitas vezes, mais tênue do que gostaríamos de admitir. E, olhando para trás, de 2025, parece que a crítica de Balzac, brilhantemente traduzida para a tela por Yves Stavrides e Giannoli, ressoa ainda mais forte. Quantas “ilusões perdidas” nós, como sociedade, acumulamos? Quantos Luciens vemos ascender e cair em nossos próprios tempos, impulsionados pela mesma sede de reconhecimento e, no fim das contas, de validação?

Eu saí do cinema com a cabeça a mil, com o coração apertado. É o tipo de drama histórico que transcende sua época para falar de verdades universais. Ele não te deixa imune. Ele te faz pensar sobre o preço da alma, sobre o que estamos dispostos a sacrificar pelos nossos sonhos e, mais importante, sobre o que resta de nós quando todas as ilusões se desfazem. E, para mim, esse é o maior mérito de um filme: perturbar a gente um pouco, sabe? Fazer a gente sair da inércia e refletir. Se você ainda não viu, permita-se perder suas próprias ilusões por umas boas horas. É uma experiência que vale cada segundo.

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