Ah, Jogos Mortais… Que nome mais prosaico para um filme que, quando vi pela primeira vez lá em 2005, me arrancou do sofá e me deixou com os nervos em frangalhos por dias. Lembro-me claramente da sensação visceral que ele provocou – um misto de repulsa e fascínio mórbido. Não é todo dia que um filme consegue te prender numa cadeira, mentalmente falando, com tanta eficiência, e é por isso que, quase vinte anos depois do seu lançamento original e agora em 2025, ainda sinto a necessidade de revisitar e celebrar a engenhosidade cruel dessa obra.
O que me puxa de volta a Jogos Mortais não é apenas o terror explícito, embora haja muito dele, claro. É a inteligência do seu terror. A premissa é assustadoramente simples, quase cínica: dois homens, o Dr. Lawrence Gordon (um Cary Elwes em seu auge de desespero) e Adam Faulkner-Stanheight (o próprio Leigh Whannell, que também roteirizou essa loucura), acordam acorrentados em lados opostos de um banheiro imundo. Entre eles, um corpo empoçado de sangue. A voz de um sádico, o infame Jigsaw, emerge de um gravador, delineando as regras de um “jogo de morte” macabro, onde a sobrevivência depende de escolhas impossíveis e um quebra-cabeças doentio.
Essa é a grande sacada de James Wan, o diretor, e Leigh Whannell, o roteirista: eles não nos entregam apenas uma sucessão de sustos ou um banho de sangue gratuito. Não, eles constroem uma trama de mistério e crime que te obriga a pensar junto com os personagens. Você, o espectador, se vê tentando desvendar as pistas, sentindo o desespero crescente do Dr. Gordon enquanto ele tenta entender como salvar sua família e a si mesmo. É um verdadeiro “mind game”, onde a dor física é apenas uma extensão do tormento psicológico.
E que elenco para nos guiar por esse inferno! Cary Elwes, com seu Dr. Gordon, nos mostra a degradação de um homem que se acreditava intocável, agora reduzido à sua essência mais animal em busca de sobrevivência. Suas mãos tremem não por frio, mas pelo terror de uma decisão iminente. Whannell como Adam é o contraponto, o observador cético que se arrasta para o centro do pesadelo. Danny Glover, no papel do Detetive David Tapp, traz uma camada extra de urgência e um olhar exausto, quase obsessivo, para a caçada ao assassino, nos conectando ao mundo exterior e à busca por justiça, ou pelo menos, por respostas. As atuações de Monica Potter como Alison Gordon e Ken Leung como Detective Steven Sing complementam essa teia de vítimas e caçadores, cada um contribuindo para a atmosfera de desgraça iminente.
Atributo | Detalhe |
---|---|
Diretor | James Wan |
Roteirista | Leigh Whannell |
Produtores | Mark Burg, Oren Koules, Gregg Hoffman |
Elenco Principal | Cary Elwes, Leigh Whannell, Danny Glover, Monica Potter, Ken Leung |
Gênero | Terror, Mistério, Crime |
Ano de Lançamento | 2004 |
Produtoras | Twisted Pictures, Evolution Entertainment, Saw Productions Inc. |
A beleza perversa de Jogos Mortais reside na sua exploração do conceito de “sadism”. Jigsaw não tortura por prazer puro, ou pelo menos é o que ele quer que pensemos. Há uma filosofia deturpada por trás de cada “booby trap”, cada cenário de “torture”. Ele acredita que suas vítimas não valorizam a vida, e que só através de “extreme violence” e da beira da morte, eles aprenderão a apreciá-la. Esse “survival horror” não é sobre monstros ou fantasmas, mas sobre a maldade calculista e o instinto humano mais primitivo. As “death games” são meticulosamente planejadas, e o filme nos leva por uma série de “flashbacks” para entender como o “sadist” orquestrou tudo. Vemos cenas em “hospital” e com o “doctor” que dão profundidade ao vilão, mesmo que de forma perturbadora.
A produção, com Mark Burg, Oren Koules e Gregg Hoffman à frente, e as produtoras Twisted Pictures, Evolution Entertainment, Saw Productions Inc. entregaram um filme com um orçamento modesto, mas que pareceu ter o triplo disso em termos de impacto. Wan e Whannell, com seu roteiro afiado e direção claustrofóbica, nos prenderam no banheiro sujo com Adam e Dr. Gordon, nos fazendo sentir o metal frio da corrente no pulso, o cheiro de sangue e decadência. A câmera se move com uma urgência quase nervosa, criando uma atmosfera que é palpável e sufocante.
Quando o filme estreou no Brasil em fevereiro de 2005, a recepção foi um alvoroço. Poucos filmes de terror conseguiram capturar a imaginação do público e se estabelecer como um marco cultural daquela forma, gerando uma franquia que se estende até hoje. E eu consigo entender o porquê. Não é uma obra-prima sem falhas – nenhum filme é, e a vida real, com suas nuances, nos ensina isso a todo momento. Mas Jogos Mortais foi um divisor de águas. Ele nos ensinou que o terror pode ser mais cerebral do que visceral, que a mente pode ser o campo de batalha mais assustador de todos, e que às vezes, para realmente ver a luz, você precisa olhar para o abismo.
Rever Jogos Mortais hoje é como revisitar um pesadelo que, paradoxalmente, me ajudou a entender melhor o cinema de terror. É uma aula de tensão, de como usar a restrição para criar liberdade narrativa, e de como um “shotgun” pode ser menos assustador do que a escolha entre a vida e a morte de outra forma. É um lembrete vívido de que a humanidade, em seu ponto mais frágil e desesperado, revela verdades brutais sobre si mesma. E, para mim, isso vale cada segundo de seu horror.