Em algum momento da vida, a gente se pega viajando no tempo. Não com uma máquina futurista, mas com um simples clique que nos joga de volta para um sofá, uma tela e uma voz familiar que preenchia as noites. É essa a sensação que me assola quando penso em Kangsi Coming. Por que, você me pergunta, gastar palavras sobre um programa que teve seu auge há uma década e meia, mas que ainda ecoa em 2025? Porque certas obras, mesmo que pareçam efêmeras como programas de variedades, deixam uma marca profunda, uma espécie de cicatriz emocional que te lembra de onde você veio, das risadas que te fizeram engasgar e das conversas que, de alguma forma, moldaram a cultura pop de uma geração.
Eu lembro bem do primeiro momento em que Kangsi Coming cruzou meu caminho. Não foi um encontro planejado, sabe? Mais como tropeçar num rio caudaloso e ser arrastado pela correnteza de bom humor e irreverência. Lançado em 2004, o programa, uma criação de Zhan Ren Xiong, rapidamente se tornou um fenômeno em Taiwan, e depois por toda a Ásia mandarim, definindo o que um talk show de sucesso poderia ser. Não era apenas um programa de entrevistas; era uma experiência, uma espécie de coliseu moderno onde convidados e apresentadores se enfrentavam (e abraçavam) com uma autenticidade quase chocante para a época.
No centro desse tornado estavam eles: Kevin Tsai (蔡康永) e Dee Hsu (徐熙娣), ou como muitos a conheciam carinhosamente, Xiao S. Dizer que a química entre os dois era boa seria como afirmar que o oceano é “um pouco molhado”. Era a colisão de dois universos complementares que criava uma explosão de entretenimento. Kevin, com sua postura calma, seu intelecto afiado e suas perguntas que cutucavam a alma, era o mestre de cerimônias que sabia exatamente onde apertar para desarmar um convidado ou para fazê-lo revelar um segredo íntimo. Ele era a âncora que segurava a loucura de Dee.
Ah, Dee Hsu. A estrela selvagem, imprevisível, a força da natureza que não pedia licença para nada. Ela podia estar flertando descaradamente com um astro de cinema no minuto seguinte, fazendo comentários irreverentes sobre a aparência de alguém, ou até mesmo se jogando no colo de um convidado, tudo isso com um timing cômico que pouquíssimos conseguiram replicar. As mãos dela, gesticulando no ar, os olhos arregalados de surpresa fingida, o riso estridente que podia ser contagioso ou constrangedor, dependendo da vítima. Ela era a personificação do “reality” dentro do gênero “talk”. A tensão entre a elegância intelectual de Kevin e a audácia sem filtros de Dee era a alma do programa, um espetáculo que te fazia pular do sofá, torcendo para que os convidados não tivessem um ataque cardíaco.
Atributo | Detalhe |
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Criador | Zhan Ren Xiong |
Gênero | Talk, Reality |
Ano de Lançamento | 2004 |
E é aí que reside a genialidade e a nuance de Kangsi Coming. Ele não era apenas um palco para celebridades divulgarem seus trabalhos; era um teste de caráter, um desafio à imagem pública. Os convidados eram expostos, de uma forma carinhosa, mas implacável. Você via o ator famoso suar frio quando Kevin fazia aquela pergunta capciosa sobre um escândalo antigo, ou a cantora pop se contorcer de vergonha enquanto Dee imitava sua dança ridícula. Não era bullying, era a desmistificação do glamour, mostrando o lado humano, muitas vezes atrapalhado, de figuras que pareciam intocáveis. Essa honestidade, essa disposição para ir além do roteiro ensaiado, foi o que o tornou tão viciante.
Era como assistir a uma orquestra onde os músicos, em vez de partituras, tinham apenas impulsos e intuição. Cada episódio era um passeio de montanha-russa, com picos de gargalhadas histéricas e vales de momentos genuinamente tocantes. A gente ria, sim, mas também refletia. O programa, muitas vezes, era um espelho da sociedade taiwanesa da época, debatendo tendências, fofocas, e até mesmo questões sociais, ainda que de forma descontraída. Ele moldou a maneira como a cultura pop era consumida e discutida. Quantas vezes você já não ouviu alguém dizer “isso parece algo que aconteceria no Kangsi!”?
Hoje, em 2025, o mundo dos talk shows evoluiu, ou talvez tenha se diluído em mil formatos diferentes. Mas o legado de Kangsi Coming persiste. Suas tiradas, seus momentos icônicos, as interações inesquecíveis entre Kevin e Dee, tudo isso ainda vive em compilações no YouTube, em memes e, mais importante, na memória afetiva de milhões. Não era um programa perfeito, claro. Havia momentos em que a ousadia de Dee beirava o excessivo, ou em que certas piadas poderiam ser mal interpretadas. Mas essas pequenas imperfeições eram parte da sua humanidade, da sua vivacidade.
Kangsi Coming não era apenas uma série de TV; foi uma conversa prolongada com amigos que você mal conhecia, mas com quem se sentia à vontade para rir, suspirar e se surpreender. Era a prova de que a espontaneidade, a química genuína e a coragem de ser quem você realmente é, mesmo diante das câmeras, são ingredientes atemporais para um entretenimento de qualidade. E por isso, mesmo que os anos passem, eu sei que sempre haverá um cantinho no meu coração para Kevin, para Dee, e para as memórias douradas de um programa que simplesmente… chegava e dominava a noite.