Sabe, há filmes que a gente simplesmente precisa revisitar de tempos em tempos. Não porque são complexos demais para entender de primeira, mas porque a experiência de assisti-los é tão visceral, tão carregada de estilo e emoção, que eles se tornam parte de um tecido pessoal de referências. Para mim, Kill Bill: Volume 1 é um desses. Eu me lembro da primeira vez que vi essa obra-prima de Quentin Tarantino, lá em 2004, quando finalmente chegou aos cinemas brasileiros. O que era aquilo? Uma ode frenética ao cinema de kung fu, aos samurais, ao spaghetti western, embalada por uma trilha sonora que virou trilha da minha própria vida. E agora, em 2025, a força desse filme não diminuiu um pingo. Pelo contrário, apenas amadureceu, como um bom vinho, mas um vinho tinto e sangrento.
Acho que o que mais me pega em Kill Bill: Volume 1 é a simplicidade brutal de sua premissa: vingança. Pura e sem diluição. “A Noiva”, interpretada com uma intensidade de tirar o fôlego por Uma Thurman, acorda de um coma de quatro anos. Quatro anos roubados, uma festa de casamento em pedaços, um noivo assassinado, e, o pior de tudo, uma filha que ela acreditava ter perdido naquele dia infernal. Quem não sentiria a fúria borbulhar na boca do estômago? Essa não é uma vingança fria e calculista; é uma fúria primal, um grito de dor que se materializa em uma lista de acerto de contas. Cada nome nessa lista, cada membro do Esquadrão Assassino de Víboras Mortais de Bill, representa um pedaço da vida da Noiva que precisa ser recuperado, ou, no mínimo, vingado.
Tarantino, como só ele sabe fazer, não apenas nos conta essa história; ele a esculpe em celuloide com um martelo e cinzel de referências pop. A jornada da Noiva não é um passeio no parque. Ela é submetida a dores físicas agoniantes, a cicatrizes que vão além da epiderme, em cada confronto. Desde a casa suburbana de Vernita Green (Vivica A. Fox, impecável em sua breve e explosiva aparição) até os corredores neon da Casa das Folhas Azuis em Tóquio, somos arrastados para um mundo onde a justiça é feita pela ponta de uma katana. E que katana, meus amigos! A Noiva, essa vigilante implacável, empunha sua espada samurai não apenas como uma arma, mas como uma extensão de sua própria vontade inquebrável.
O que me fascina é como Tarantino subverte expectativas. O filme começa com uma cena que é quase um manifesto sobre o que está por vir: o som abafado do choro, o disparo, a imagem preto e branco que se tinge de vermelho. A transição para o colorido, vibrante e saturado, é um choque que nos puxa para dentro da história. E falando em cores, a paleta de Tóquio, especialmente na sequência animada – sim, uma sequência de animação que detalha a ascensão de O-Ren Ishii (Lucy Liu, magnética e letal) no submundo da yakuza japonesa – é de uma beleza brutal. Essa cena é um respiro estilístico que, paradoxalmente, aprofunda o pessimismo e a sombria realidade do crime, mas com uma beleza que só o anime consegue expressar. É um toque de gênio que amplia a mitologia do universo de “Kill Bill”.
Atributo | Detalhe |
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Diretor | Quentin Tarantino |
Roteirista | Quentin Tarantino |
Produtores | Lawrence Bender, 森下勝司 |
Elenco Principal | Uma Thurman, Lucy Liu, Vivica A. Fox, Daryl Hannah, David Carradine |
Gênero | Ação, Crime |
Ano de Lançamento | 2003 |
Produtoras | Miramax, A Band Apart, Super Cool ManChu |
A performance de Uma Thurman como A Noiva é o coração pulsante do filme. Ela é a Black Mamba, um apelido que evoca tanto perigo quanto luto. Seus olhos, mesmo por trás de uma máscara de dor e determinação, transmitem a perda irrevogável. Lucy Liu como O-Ren Ishii é uma vilã icônica, uma mestre das artes marciais e líder de gangue que é tanto fascinante quanto aterrorizante. O duelo entre as duas na neve, sob um céu que sangra em tons de azul e branco, é um showdown clássico, uma coreografia de espadas que se tornou uma marca registrada do cinema de ação moderno. Cada golpe, cada movimento, é carregado de simbolismo e história.
E, claro, não posso deixar de lado a presença etérea de Bill, interpretado pelo saudoso David Carradine. Embora ele só apareça brevemente neste volume, sua sombra paira sobre cada cena, cada decisão da Noiva. Ele é o fantasma, o algoz, o motivo, e a promessa de um confronto final que nos deixa ansiosos pelo próximo capítulo.
Kill Bill: Volume 1 é mais do que um filme de ação; é uma experiência sensorial. É o ritmo frenético da música, o flash de uma lâmina, o esguicho estilizado de sangue (e como ele é estilizado!), o grito primal de uma mulher ferida que decide que não será mais vítima. É um filme que, como aquela crítica inspiradora apontou, mudou a direção dos filmes de Tarantino, elevando sua ambição e sua capacidade de criar mundos totalmente imersivos, sem perder sua assinatura única. É sombrio em sua motivação, mas exultante em sua execução. Para mim, é um lembrete vívido de que a vingança pode ser, em mãos hábeis, uma forma de arte. E, tá, talvez seja um dos meus favoritos do diretor. Mas isso, você já deve ter percebido.