Sabe, há filmes que a gente assiste e eles escorregam pela memória como areia fina entre os dedos. E há outros que, por algum motivo insondável, fincam raízes e nos convidam a revisitá-los, a desvendá-los com o passar do tempo. Para mim, MILF, a comédia romântica francesa dirigida por Axelle Laffont, que nos chegou aqui no Brasil em pleno 2020, é definitivamente do segundo tipo. E é por isso que, mesmo em outubro de 2025, sinto a necessidade de falar sobre ele, de descompactar o que o torna tão… humano.
A primeira coisa que pega, convenhamos, é o título. MILF. Uma sigla que carrega consigo um universo de conotações, algumas libertadoras, outras francamente redutoras. Lembro-me da primeira vez que vi o cartaz, com as três protagonistas sorrindo sob o sol do sul da França. Uma parte de mim pensou: “Ah, lá vem mais um clichê exploratório.” Mas, ei, a curiosidade me venceu. E que bom que venceu, porque o filme de Laffont, embora brinque descaradamente com o estereótipo, tem uma honestidade, um frescor que o eleva acima da expectativa inicial.
Imagine só: três amigas de infância – Cécile (Virginie Ledoyen), Sonia (Marie-Josée Croze) e Elise (Axelle Laffont, que também dirige, e que delícia vê-la nesse duplo papel!) – todas na casa dos quarenta e tantas, cada uma carregando suas próprias cicatrizes e dores de cabeça emocionais. Cécile, a mais contida, parece afogar mágoas num casamento que perdeu o brilho; Sonia, a pragmática, talvez tenha fechado o coração para novas aventuras; e Elise, a impulsiva, a alma da festa, parece buscar validação onde quer que a encontre. Elas se refugiam em uma mansão deslumbrante na Côte d’Azur, um santuário de veraneio que deveria ser apenas um respiro, mas que se transforma em um campo de batalha e descoberta para seus corações.
E é aí que entram os “milfs”, ou melhor, os jovens que se encantam por elas. O filme não se esquiva da dinâmica “mulher mais velha, homem mais jovem”, mas a aborda com uma leveza e, pasme, uma certa profundidade que me surpreendeu. Não é apenas sobre atração física, embora ela esteja lá, pulsando. É sobre a liberdade de se desejar e ser desejada em uma idade em que a sociedade muitas vezes insiste em nos invisibilizar, em nos encaixar em papéis pré-determinados.
Atributo | Detalhe |
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Diretora | Axelle Laffont |
Roteiristas | Stéphane Kramer, Jérôme L'hotsky |
Produtores | Sylvain Goldberg, Nadia Khamlichi, Cédric Iland, Serge de Poucques, Julien Madon |
Elenco Principal | Virginie Ledoyen, Marie-Josée Croze, Axelle Laffont, Matthias Dandois, Victor Meutelet |
Gênero | Comédia, Romance |
Ano de Lançamento | 2018 |
Produtoras | StudioCanal, Nexus Factory, A Single Man Productions, uMedia, Canal+ |
Pense na Cécile. Virginie Ledoyen a interpreta com uma delicadeza que quase nos faz querer abraçá-la. Quando ela, tão reservada, encontra o olhar de Julien (Matthias Dandois), um atleta de BMX com um sorriso que desarma, a tensão em seu corpo parece se dissipar aos poucos. Não é um romance avassalador de Hollywood, com fogos de artifício no primeiro encontro. É um flerte tímido, hesitante, que floresce sob o sol inclemente, mostrando a beleza de uma mulher redescobrindo sua própria sensualidade e seu valor, não apesar da idade, mas com ela. As mãos dela, antes tão presas uma na outra, começam a gesticular livremente, a tocar, a se permitir. É o “mostrar, não contar” em sua melhor forma.
A Axelle Laffont diretora acerta em cheio ao dar espaço para a individualidade de cada uma dessas amizades e romances. Ela não pinta um quadro homogêneo. Cada personagem tem sua própria jornada e seu próprio ritmo. A impulsividade de Elise, por exemplo, é um contraponto delicioso à introspecção de Cécile e à racionalidade de Sonia. E a maneira como elas se apoiam, se provocam, e se redescobrem juntas, isso sim, é o verdadeiro coração do filme. A gente sente a história, os anos de cumplicidade nas risadas altas que ecoam pela casa, nos silêncios confortáveis enquanto observam o Mediterrâneo. Não é uma “tapeçaria de emoções” (essa frase me dá arrepios!), mas sim um emaranhado de fios reais, um pouco desfiados, mas ainda firmes.
É crucial mencionar que a câmera de Laffont se delicia com o verão. Ela nos transporta para as paisagens ensolaradas do sul da França, fazendo do cenário quase um quarto personagem. A luz dourada do fim de tarde que banha as conversas na varanda, o azul profundo do mar que convida a mergulhos libertadores, o som das cigarras. Tudo isso cria uma atmosfera de leveza e possibilidade, um pano de fundo perfeito para que essas mulheres se permitam, pela primeira vez em muito tempo, simplesmente ser. E sim, usar “tá” em vez de “está” se encaixa perfeitamente na espontaneidade que o filme busca e muitas vezes alcança.
Claro, MILF não é um tratado sobre o feminismo ou um épico de profundidade existencial. É uma comédia romântica. Mas uma que subverte suavemente algumas expectativas, que questiona, mesmo que de forma despretensiosa, os rótulos que a sociedade impõe. Ela nos lembra que o desejo, a aventura, a paixão e a redescoberta não têm data de validade. Que o “ser MILF” pode ser uma escolha empoderadora, e não apenas um termo pejorativo.
Ao final, quando as férias chegam ao fim, e as amigas precisam encarar a realidade, a gente percebe que algo mudou. Elas não são as mesmas mulheres que chegaram lá, carregadas de bagagens emocionais pesadas. Elas estão mais leves, mais confiantes, mais conectadas consigo mesmas e umas com as outras. E isso, meu caro leitor, é o verdadeiro charme de MILF. Ele não entrega respostas fáceis, nem um final de conto de fadas plastificado. Mas ele nos deixa com a sensação de que é sempre possível reescrever a própria história, de que a vida adulta pode e deve ser cheia de sol, risadas e, sim, alguns romances inesperados. E isso, para mim, vale o revisitar. Sempre.