Ah, Moloch. Confesso que o nome, por si só, já me tinha cativado. Não no sentido leve de “gostei”, mas naqueles arrepios que te fazem parar e questionar o que vem pela frente. Em um cenário onde o crime e o mistério na TV parecem seguir receitas tão batidas que você quase consegue prever o final antes mesmo da introdução, séries como Moloch surgem como um lembrete agridoce: ainda existe quem ouse mexer na ferida, em vez de apenas cobri-la com um curativo colorido. E é exatamente por essa coragem de explorar as sombras mais profundas da psique humana que senti a necessidade visceral de escrever sobre essa obra.
Desde seu lançamento em 2020, percebi que Moloch não se propunha a ser mais um passatempo; ela era um convite para o desconforto, para a contemplação das faces mais obscuras da condição humana. Sabe aquela sensação de que o ar ao seu redor parece ficar mais denso a cada cena, como se o peso das descobertas se acumulasse sobre os seus ombros? Moloch faz isso com maestria. Não é um suspense que te joga sustos baratos; é uma tensão que se infiltra sob a pele, construída tijolo a tijolo, silenciosamente, até se tornar quase insuportável.
A narrativa, engendrada com uma precisão cirúrgica por Arnaud Malherbe, que não só a criou, mas também a dirigiu e co-escreveu com Marion Festraëts, mergulha em um universo onde a linha entre o real e o pesadelo se esvai a cada episódio. O que é Moloch? É uma figura mítica? Um serial killer? Ou, talvez, o mais perturbador de tudo: uma manifestação coletiva de uma dor tão profunda que começa a corroer a realidade dos que a testemunham? Essa ambiguidade é a espinha dorsal da série, e é nela que reside a sua força. Você se vê constantemente buscando respostas, mas a cada pista, mais perguntas surgem, como tentáculos de uma criatura que se recusa a ser totalmente compreendida.
No centro desse turbilhão, temos Marine Vacth como Louise, uma jornalista que carrega nos olhos o peso de uma busca incessante, quase obsessiva. Não é uma performance de grandes gestos ou explosões dramáticas, mas sim de nuances. O tremor quase imperceptível nas suas mãos enquanto ela fuma, o jeito como ela prende a respiração ao confrontar uma nova evidência, tudo isso fala volumes sobre o abismo que ela está encarando, tanto fora quanto dentro de si. Louise é como um espelho para o espectador, refletindo a nossa própria inquietação e a nossa ânsia por desvendar o que está oculto.
| Atributo | Detalhe |
|---|---|
| Criador | Arnaud Malherbe |
| Diretor | Arnaud Malherbe |
| Roteiristas | Marion Festraëts, Arnaud Malherbe |
| Produtor | Xavier Matthieu |
| Elenco Principal | Marine Vacth, Olivier Gourmet, Arnaud Valois, Marc Zinga, Babetida Sadjo |
| Gênero | Crime, Drama, Mistério |
| Ano de Lançamento | 2020 |
| Produtoras | ARTE, Calt Studio, Belga Productions |
Ao lado dela, Olivier Gourmet, no papel de Gabriel, traz a gravidade e a melancolia de um policial que já viu demais, mas que ainda não perdeu totalmente a esperança – ou talvez a resignação. Ele não é o herói de ação; ele é o homem cansado que, mesmo assim, arrasta-se pela lama na tentativa de encontrar um pingo de verdade. A dinâmica entre eles, muitas vezes silenciosa, pontuada por olhares que dizem mais que mil palavras, é um dos pontos altos da série. É através da persistência de Gabriel e da inquietude de Louise que a história se desenrola, revelando as camadas de uma cidade e de um grupo de pessoas que parecem estar coletivamente à beira de um colapso.
E o que dizer dos outros? Arnaud Valois como Tom, Marc Zinga como Jimmy, Babetida Sadjo como Gloria… Cada um deles não é apenas um personagem, mas uma peça intrincada de um quebra-cabeça maior, contribuindo para a atmosfera de desconfiança e isolamento. Eles não são meros figurantes; são vozes que, mesmo em seus silêncios, ecoam as preocupações e os medos que permeiam a trama. É um trabalho de elenco que transcende a mera atuação, transformando-se em um estudo profundo de personagens que são, eles próprios, labirintos.
A direção de Arnaud Malherbe é de uma sensibilidade brutal. Ele não tem medo de usar o silêncio, a penumbra e os planos sequência longos para criar uma sensação de imersão e desconforto. Cada cena parece tingida por um cinza perpétuo, um filtro que não só escurece a imagem, mas também a alma de quem assiste. Não há pressa, não há concessões ao ritmo frenético a que muitas vezes somos condicionados. A série respira, e essa respiração, muitas vezes, é ofegante e tensa, como se o próprio ar estivesse carregado de segredos. A produção, com o selo de qualidade de ARTE, Calt Studio e Belga Productions, é impecável, entregando um visual austero, porém de tirar o fôlego, que eleva ainda mais a experiência.
Moloch não se propõe a oferecer respostas fáceis, e é exatamente por isso que ela me marcou profundamente. Ela nos força a olhar para a nossa própria capacidade de criar monstros, sejam eles externos ou internos. Afinal, onde terminam os demônios que habitam as sombras e começam os nossos próprios, aqueles que nutrimos em silêncio? É uma série que gruda na mente, que faz você revisitar cenas e diálogos muito depois de o monitor ter escurecido, tentando desvendar um mistério que talvez nem sequer tenha uma solução lógica.
Para mim, Moloch é um exemplo raro de como o gênero de crime e mistério pode ser elevado a uma forma de arte que não só entretém, mas também provoca, questiona e nos faz sentir, de uma forma visceral, a fragilidade da nossa própria percepção de realidade. Ela não é para todos, eu sei. Mas para aqueles que buscam algo mais, algo que se recusa a ser digerido facilmente, Moloch é uma jornada inesquecível rumo ao coração da escuridão. E eu, pessoalmente, sou grato por cada momento perturbador que ela me proporcionou.




